quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Paciente Dez: Férias Conjugais



Férias Conjugais



Chamei o paciente, entra no consultório um paciente de longa data... Um senhor por volta de oitenta anos com perda de memória, acredito que pela própria idade... Nós neurologista chamamos de transtorno cognitivo leve, não é doença de Alzheimer, mas o tratamento é com a mesma medicação. Este é o caso desse senhor. Ele sempre vem acompanhado pela sua enfurecida esposa, que insiste em dizer que ele está péssimo, cada vez pior, que ela não aguenta mais, e que ele a está deixando doente com suas atitudes. Naquela consulta, tinha um detalhe novo, ele tinha começado a falar mal dela... Ele olhava para mim e não dizia uma só palavra. Quando eu perguntava algo, se isso tudo era verdade, ele discretamente movimentava a cabeça dizendo que não... O movimento de sua cabeça era tão sutil para a esposa não perceber, que na verdade ele falava "não" com os olhos... Então perguntei aquelas perguntas triviais: - Que dia do mês é hoje? Qual o dia da semana? O senhor sabe o mês? Em que ano estamos? O senhor sabe onde está? Qual cidade? Estado? Ponto de referência? Como é de costume, ele respondeu tudo corretamente. Estava mais orientado no tempo e espaço do que eu... Então falei para a esposa: - Mas ele não está assim tão ruim como a senhora descreve! O que acontece?
A esposa decidiu desabafar, pois ele estava mudo. Olhava para mim e tentava falar com os olhos, quando ela se distraía, e eles percebam que poderia se expressar sem ser julgado movia a cabeça dizendo "não"... Ele estava preso dentro de toda aquela situação... Estava no cativeiro. Foi rotulado ser uma pessoa com Alzheimer, pois a medicação é a mesma, e a partir daí começou sua prisão... Entendi, qualquer palavra dita poderia piorar a situação quando chegasse a casa...
Então a esposa falou: - Ele anda falando mal de mim para as pessoas... Pensei comigo, isso não é coisa de doente porque vejo muitos casais falando um mal do outro... Continue escutando: - Então, pedi para ele umas férias conjugais! Falei para ele que já estava tudo decidido e que queria férias conjugais!
Ele não tinha como expressar sua opinião, pois já estava tudo decidido... Aproveitando que uma irmã dele viria do nordeste e passaria em São Paulo com destino ao Paraná para visitar outros irmãos, a esposa preparou a mala do esposo e o pôs junto do ônibus com a irmã dele com destino ao Paraná... Agora, fico imaginando como o homem ficou sendo despachado sem ao menos ser consultado, para "Férias Conjugais", com certeza "bem" da esposa ele não iria falar... Imagino-o no ônibus, desabafando com a irmã...  O pior foi que a esposa se esqueceu de pegar um contato dos familiares do esposo no Paraná. Quando percebeu, não tinha nenhum número de telefone marcado na agenda do pessoal de lá. Bom, três dias se passaram e o senhor não voltou... Ela tinha arrumado a mala para três dias... Eu até comentei com ela, férias conjugais de três dias? Só? Acho que quando alguém quer tirar férias conjugais deve ser de no mínimo um mês. Pois então, começou o tormento para ela, sem notícias do marido, e sem poder se comunicar, ela ficou esperando ele voltar por um mês... As férias conjugais dela vivaram um pesadelo... Ele por sua vez, como ela mesmo ficou sabendo depois, estava aproveitando suas férias conjugais impostas  junto da família, passeando pelo mato e pescando. É "o feitiço havia virado contra o feiticeiro"... Porém, a esposa ficou sabendo que uma irmã do marido estava em São Paulo, e entrou em contato urgente pedindo a volta do marido... Ele voltou, e tudo continuou igual ou pior... Quando a história terminou, os dois olhavam para mim, então, falei: - Senhora, férias de três dias é muito pouco! Da próxima vez a senhora prepara a mala dele para um mês, e não se esquece de pegar um telefone de contato para saber se ele está bem... Acho triste quando às pessoas pensam que só porque casaram são donas um do outro. Pelo que parece assinar um papel no cartório quer dizer: "minha propriedade", e então, perdemos toda nossa individualidade...

Um comentário:

  1. Concordo, o pior é que tem gente que acha que é dona da outra pessoa sem mesmo estar casada, ou sem mesmo ter algum relacionamento, que coisa triste...

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