quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Paciente Oito




E.L.A.

Não era "ela", mas sim era ele, um paciente do sexo masculino. Na verdade eram os dois, ele o paciente, com ELA (esclerose lateral amiotrófica) a doença neurológica. Eu como neurologista posso dizer, acho a doença mais "chata" da minha especialidade. A pessoa vai perdendo os movimentos dos braços e pernas, até ficar em uma cadeira de rodas sem se mexer. Além disso, vem dificuldade para falar, engolir e por fim dificuldade para respirar. Então, em aproximadamente um ano, vem a morte certa. A consciência fica preservada! É uma prisão em si mesmo! Um cativeiro! O remédio parece água com açúcar, caríssimo, e pouca coisa ele pode ajudar, mas praticamente só existe ele para a doença.  É claro, como toda regra tem uma exceção, e aqui digo: - "Graças à Deus! Porém, existem pacientes que apesar das dificuldades conseguem ter uma sobrevida maior. E sempre lembro de uma paciente com ELA há 10 anos, com sua bengala, mas vivendo e feliz. Parecia que ela não dava muita "bola" para sua doença... Por isso que nunca digo para meus pacientes com ELA, o que acontece com a maioria dos casos, fala sempre dessa paciente. Jamais tiro a esperança dos meus pacientes, não posso fazer isso, pois a esperança é a última que morre. E conta na mitologia grega, uma história mais o menos assim: Pandora, uma jovem, tinha em suas mãos uma caixa, que por orientação de Zeus, não poderia ser aberta, mas como a curiosidade mata, ela abriu. E dentro da caixa saiu um fumaça horrível, que trazia todos os males, doenças, dores, e a fumaça que se espalhou por todo mundo. Desde então, a humanidade passou a conviver com  todos esses males. Quando saiu, toda a "fumaça", Pandora olhou para dentro da caixa, e viu um passarinho verde, lindo, imediatamente ela fechou a caixa para ele não sair. E este passarinho chama-se "esperança", a que nunca devemos perder... E como Nietzsche diz: " A esperança é muito mais estimulante que a sorte.
Voltando ao paciente, ele entrou, mas não me parecia triste ou preocupado, acompanhando-o estava sua filha que já sabia de tudo sobre a doença. O paciente já estava praticamente diagnosticado por outro colega, com todos os exames e já havia sido prescrito o tratamento.  O paciente queria que sua força voltasse ao normal, e sua fala e deglutição melhorassem, mas estava sempre sorrindo. Expliquei que a medicação era aquela, mas ele já tinha tomado, e não tinha se dado bem com o remédio. O que estava fazendo bem para ele era um bochecho com antisséptico bucal. Então falei para ele fazer fonoterapia, fisioterapia, e continuar com seus bochechos. Porém a filha fazia perguntas estranhas, e falava para mim, que o pai dela não tinha consciência da doença que tinha, e que continuava fazendo de tudo e que queria continuar vivendo com sua esposa. Eu não estava entendendo, porque que ela queria que o pai tomasse consciência dessa doença, se ele não há tinha podia viver melhor assim, ótimo! Tudo já havia sido feito, e ele só queria continuar feliz os seus últimos dias de vida, fazendo o que ele julga bom para ele, sem pensar na ELA. A filha queria que eu o fizesse ter consciência que a doença, na maioria das vezes fatal, a pessoa vai ficando paralisada, quero dizer os músculos vão ficando fracos nos membros superiores e inferiores, depois atinge os músculos da deglutição e fala, e por fim, os músculos da respiração. A pessoa morre com insuficiência respiratória, mas a consciência está sã e preservada... Além de querer que seu pai tomasse consciência dessa tragédia, queria que ele largasse a casa onde vive com sua esposa, para ficar com os filhos. Perguntei para ele: - " O senhor quer sair da sua casa e deixar sua esposa? Ele respondeu: "- Claro que não doutora, ela cuida bem de mim, e estamos felizes! "Não aguentei, falei para ele que a consulta tinha acabado, para ele esperar lá fora, e que eu somente iria preencher alguns papéis”! Mandei a filha voltar, ele não merecia ouvir o que eu tinha para dizer... Quando ela voltou falei: “- Olha seu pai, tem uma doença fatal, vou pedir alguns exames para fazer diagnóstico diferencial, mas ele viverá  aproximadamente mais um ano (expliquei dos casos que surpreendem com uma sobrevida maior)”. Se o seu pai não tem consciência da doença que carrega melhor para ele. Se ele quer sorrir e tentar fazer tudo o que fazia antes, ótimo para ele! Vocês só precisam ver se o que ele for fazer não põe em risco a vida  dele e de outras pessoas, de resto ele pode fazer o que desejar. E se ele está feliz com a esposa, ela cuida dele, porque ele tem que sair de lá para morar com os filhos? A consulta acabou, mas ela insistiu que ele fosse encaminhado para o psicólogo e psiquiatra. Realmente, não era eu quem iria o fazer tomar consciência da doença dele. Lembro-me de uma história que o escritor Rubem Alves conta em um dos seus livros. O senhor velhinho na cama, quase morrendo, pediu para a filha como último desejo, que lhe comprasse um pastel. A filha olha para ele é diz: "- Papai, você não pode comer pastel por que é fritura vai aumentar seu colesterol". Aprendi que devemos apreender a respeitar mais os idosos... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário