sábado, 8 de outubro de 2011

Paciente Dez




Amizade com o Gardenal



Depois de tudo analisado, tomografia de crânio e eletroencefalograma, pensei dois segundos e disse para a paciente: "É dona Maria, não tem jeito, a senhora vai ter que fazer amizade com o Gardenal. Ele vai ser seu amigo a vida inteira... Veio para ficar..." Ela, que já estava acostumada com ele disse: "- Eu sei doutora, eu sei..." Fico impressionada, nestes anos como médica, neurologista, o gardenal (substância: fenobarbital) é o é medicamento mais temido pelos pacientes. A maioria conhece como gardenal, não como o fenobarbital, como diriam "o nome genérico". Se falarmos que ele terá que tomar fenobarbital, eles aceitam, mas falou em gardenal, é um espanto! Não sei da onde veio essa lenda, mas é antiga, muito antiga... Fala-se em gardenal, eles pensam que é sinônimo de loucura. O engraçado é que o remédio nem é usado para isso.  Alguns já me disseram: "- Não doutora, eu não tomo gardenal, tomo fenobarbital! Outros falam: “- Eu tomo tudo, menos gardenal”!". Acredito que isso venha pelo fato que, se você toma gardenal, logo isto é sinônimo de ter epilepsia, convulsão, "crises de ataque", e com isso lá vem o preconceito... Parece que falar que é epilético é um crime. Percebo que este preconceito é antigo as pessoas ainda não entenderam que a Epilepsia pode ser uma doença primária, quer dizer, acontece sem causa conhecida. É igual ter hipertensão ("pressão alta"), na maioria dos casos, você tem porque tem, nasceu assim... O pior é quando os exames se apresentam todos normais, o que deveria ser um alívio, para eles é uma preocupação: "- Doutora, os exames estão normais? Como isso? “Não é possível”! O pior é explicar que é melhor que os exames estejam normais... Percebo que existe muito preconceito com esta doença. Não deve ser fácil, perder a consciência, cair, se debater, soltar a urina, acordar confuso, sonolento com dor de cabeça, mas as pessoas têm que aceitar e compreender. Ninguém pode ser discriminado por ter crise convulsiva, porque qualquer um pode ter durante a vida. O próprio envelhecimento do cérebro pode causar focos epileptiformes. A epilepsia não é uma doença contagiosa, a pessoa não está morrendo, não precisa puxar a língua da pessoa, ela não está possuída e etc. A única coisa que se tem a fazer, é, afastar objetos próximos do paciente que o possam machucar, e virá-lo de lado.  Acho muito sério este preconceito, a maioria não cosegue arrumar um emprego, quando conseguem e apresentam uma crise convulsiva durante o trabalho são mandados embora. Então, voltam ao médico para pedir um laudo para pedir afastamento do trabalho e benefício. Fazemos o laudo, explicando tudo, e eles voltam dizendo que não lhes concederam o auxílio, e que é para eles voltarem trabalhar. Eles tentam arrumar um novo emprego, não conseguem. Conseguem-se, assim que descoberta a doença são mandados embora. Voltam para o médico, pedem novo laudo, de novo não é concedido o benefício e a história vai se repetindo... É um ciclo, vicioso, sem solução! Acho que é preciso ser feito alguma coisa. As autoridades responsáveis precisam tomar alguma providência, ou se faz uma lei que estes pacientes não podem ser mandados embora, ou todo mundo que tem epilepsia não trabalha e fica no benefício. Eu se tivesse a doença, gostaria de ter uma vida normal, trabalhar, estudar, e não ser discriminada. Sinto que alguma coisa deve ser feita... " Epilepsia: mais Amor, menos preconceito, ninguém está livre de ter uma convulsão alguma vez na vida”! E  lembro-me do programa, "No divã com Flávio Gikovate", um psiquiatra, escritor, perguntaram para ele, o que é moral? Ele respondeu: “- Antes de fazer alguma coisa para alguém, você tem que se perguntar se gostaria que fizessem isso com você, se a resposta for “não”, então não faça”! “Isso sim é ter moral”. É aquele velho ditado: "- Não faça com o outro aquilo que você não gostaria que fizesse com você". Simples, mas muita gente se esquece... 



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