sábado, 1 de fevereiro de 2014

O homem e a casa







O homem e a casa


Eu estou aqui no oitavo andar do meu prédio, minha paisagem é estranha, olha por uma janela: prédios, olha por outra janela: prédios, olho de novo: mais prédios... Mas há uma janela que vejo uma casa! Nesta casa já não mora mais ninguém. A senhora que morava já se foi, partiu desta vida... Mas a casa ficou... E por incrível que pareça ficou igual a quando ela era habitada pela senhora.
O herdeiro quis preservar a casa, que por sinal é muito bonita. Na casa há uma janela toda de vidro fume bem grande na sala, um quintal, parece ser mais respirável do que estar aqui no oitavo andar cheio de prédios ao redor...
Ontem por acaso olhei pela janela que dá em frente a casa, o homem estava lá, sozinho, sentado no jardim, virado para  a frente da casa. Ele estava imóvel, pensando, pensando, sozinho...
O que estaria o homem de cabelos grisalhos, por volta de uns sessenta anos, pensando? Ele poderia estar em tantos lugares naquela noite onde não estivesse só, mas preferiu estar ali, na sua própria companhia... Ele poderia estar assistindo a novela das oito da noite, ele poderia estar no churrasco com amigos, ele poderia estar bebendo cerveja num bar, poderia estar num baile de terceira idade, poderia estar no supermercado, poderia, poderia... como poderia estar ali sentado no quintal da casa onde as memórias afloram, onde talvez a saudade more, onde o ar corre mais solto,  onde a lua e as estrelas são mais visíveis, onde a mente sossegue e ele possa se encontrar com ele mesmo, com seu ser essencial... Encontrar-se com seu ser essencial, tarefa quase impossível nesta cidade urbana, nessa grande metrópole que não se cala, que vive de barulho e problemas, e telefones, e televisão, e buzina, e gritos inúteis das pessoas bêbadas pela noite...
A cidade grande inebria, entorpece, nos tira a paz, acho bom o homem ter preservado a casa, que há anos atrás provavelmente estava no mesmo lugar, mas num lugar mais tranquilo... Até quando a casa estará lá? Até quando o homem poderá sentar no quintal e apenas ser? Acredito que até quando o homem não receber uma boa proposta rentável de alguma construtora querendo derrubar a casa e construir um grande prédio cheio de apartamentos, e então da minha minúscula janela não verei mais a casa, nem o homem sentado numa cadeira, no quintal, em paz...