domingo, 23 de setembro de 2012

Paciente trinta e seis: O Laudo e o CD!









O Laudo e o CD



Existem pacientes sem limites, sem senso crítico, inoportunos. Eles chegam sem avisar, sem consulta marcada, trazendo um papel balançando na mão e solicitando um encaixe para consulta. Às vezes conseguem, outras vezes não e outras fezes nem passam pela recepção ficam me esperando na porta do posto de saúde.  
Eu chego ao meio da confusão tendo entrar no posto de saúde, a porta sempre está interrompida por pessoas paradas nela. Depois começo a ser seguida por um paciente que vem falando no meu ouvido no meio da multidão: “- Oi doutora, eu sou o João, a senhora lembra-se de mim”? Viro para trás olho para cara dele, e tenho a certeza que   não lembro! Então falo: “- Senhor um momento, eu tenho que assinar o ponto, pegar o receituário azul e pegar os prontuários”. Mas na maioria das vezes eles continuam falam e tentando explicar que paciente que são e o que querem...  Depois de muito sacrifício consigo chegar ao consultório e ele entra junto, passa na frente de todos e vai dizendo que quer um laudo, porque ele precisa de um laudo. Os outros vinte pacientes que esperam nos bancos começam a se irritarem e reclamarem porque o tal homenzinho passou na frente de todos! Imagino eu fazendo o tal laudo e vinte e duas pessoas indignadas gritando e reclamando que eu passei o tal paciente na frente de todos! Prefiro não arriscar e peço para que ele se dirija até a recepção e pegue a senha dele, porém ele não volta...
No dia seguinte lá está ele, tinha conseguido a permissão da chefia que eu fizesse o tal laudo, mas como sempre, não queria esperar.  Assim que sentei na cadeira ele já foi falando: “- O laudo doutora o laudo!”. Respondo: “- Está bem, está bem eu vou fazê-lo assim que possível”!  Logo em seguida avistei o seu prontuário com a cópia do laudo.
Após ter saído o segundo paciente resolvi chamar o paciente do laudo. Quando ele entrou, eu já estava escrevendo seu documento, e ele pedia desculpas por me atormentar fora de sua hora. Quando lhe entreguei o laudo pronto, ele diz: “- Desculpe doutora, preciso de dois laudos originais iguais para solicitar linhas de ônibus diferentes”! Nesse momento fiquei “verde” de raiva, mas eu só conseguia pensar: “- É só mais um laudo, é só mais um laudo, e estará tudo resolvido!”.
Quase terminando de escrever o segundo laudo o paciente abre a mochila, e começa a procurar algo dizendo: “–Doutora eu sei que é muito serviço, que é muita confusão, todos esses pacientes aí fora para a senhora atender, mas eu vou te dar um CD maravilhoso lindo de “morrer”, você vai se apaixonar, é uma música mais linda que a outra... É MP3 doutora, seu carro tem MP3?”. Respondi: “-Sim, tem, obrigada!”.
Chegando ao meu carro lembrei-me do CD pirata que havia ganhado do meu paciente, olhei a capa, era uma seleção de músicas de uma radio FM que costumo escutar com cento e cinquenta e cinco músicas!  Coloquei para escutar e realmente as músicas eram lindas! Algumas eu escutava inteiras outras eu só passava para saber que música que tinha no CD, mas cheguei a casa bem antes que as músicas terminassem...
O paciente tinha acertado na escolha, eu realmente tinha adorado o CD!  


sábado, 22 de setembro de 2012

O Hospital








O Hospital




E hoje passando pela rua que sempre passo todos os dias aqui em Santo André, eu olhei para o lado direito no lugar do Hospital em que minha avó morreu e nada havia apenas um terreno! Tinha sumido, tinha sido demolido do dia para a noite. Tudo para baixo em restos no chão, o quarto e a UTI em que a vovó ficou antes de partir da o lado de lá...
Tudo agora não passam de memórias nada mais!
Vou continuar passando pela mesma rua e olhando para o mesmo lugar e independente do que ele possa vir a ser agora, vou lembrar-me do último dia da minha avó naquela cama da UTI. Naquele dia, parecia que havia melhorado, estava feliz, beijou minhas mãos, deu risada, eu pensei que havia uma possibilidade, que ela havia melhorado apesar dos seus oitenta e nove anos e de seu corpinho composto só de pele e osso, tão branquinha como neve...
Já em casa, passado umas três horas em que eu a visitará, senti um frio no estômago nada bom, passado alguns minutos o telefone toca, eu atendi e já sabia do que se tratava, a vovó tinha falecido. E foi nesse ar de tristeza que começamos a preparar tudo para o final. E disse tudo sabemos que o que restará será a saudades, saudades, saudades que nunca poderá ser “matada” e ela continuará a ir com a gente por todo nosso caminho.
A saudade não larga do pé não, não adianta chutar, falar saía para lá, eu não te vejo, vira e volta ela aparece... Faz quatorze anos que minha avó sumiu naquela cama de UTI de um hospital que não existe mais... Lembro-me do sorriso vespertino dela naquele e promessas que tudo estava bem, mas fato é que a morte estava se aproximando da minha avó.
Agora, lembrei-me também do meu paciente no Instituto do Coração. Depois de tantas lutas, meses de internação, colocando o senhor cujo nome não me lembro da cama para a poltrona, da poltrona para a cama... Toda equipe tinha feito o máximo para o velhinho ficar bem e ter a alta programada par o dia seguinte. Ele estava bem, brincava com todo mundo, e sua esposa iria trazer salgadinhos para todos comemorar a saída de seu marido da semi-intensiva. E na agitação da amanhã no hospital, cada um fazia uma coisa, eu prescrevia e preparava a alta do velhinho, enfermeiras preparavam medicamentos, assistente trocavam as fraldas dos pacientes, dava-lhes banho no leito. E no meio da agitação e confusão, olhamos para o velhinho já de alta sentado no seu leito, roxo igual uma uva. Foi uma gritaria total, para tentar reanimar o paciente. Nada feito! Ele não quis esperar a festa partiu, e assim, a esposa foi avisa, e não vieram salgadinhos e nem bolinhos. E aquele dia foi de silêncio da semi-intensiva do INCOR.  Lembro-me de ter ido ao banheiro fechado a parta e ter derramado algumas lágrimas, pois eu tinha acabado de falar “bom dia” para ele...
Eu fico pensando nessa melhora pré-morte, o que seria isso? Como o organismo se organiza para tal? Ele melhora talvez para despedir das pessoas, falar algo que tenha que falar e então, fechar os olhos e deixar saudades...

 



sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Os Gêmeos



Os Gêmeos



E foi no dia 18 de Setembro de 1939 que os gêmeos nasceram em uma pequena aldeia de Portugal. A casa feita de paredes de pedras e chão de madeira, por debaixo casa a loja dos animais, vacas, bois... Os partos eram feitos nas casas não em hospitais. Se tudo viesse a favor da natureza era uma beleza e todos comemoravam o nascimento do bebê, mas caso algo estivesse contra a mesma ou o bebê morria, ou a mãe morria ou ambos morriam... Era tudo se Deus quisesse mesmo e hoje será que continua sendo assim?
O primeiro menino nasceu quieto, não chorou, julgaram-no morto o deixando em um canto para ver se eles conseguiam salvar o segundo bebê. O segundo bebê nasceu outro menino, nasceu chorando dando realmente sinal de vida! Pelo menos um bebê tinha vida, mas que já tido como morto o primeiro bebezinho começou a chorar e resmungar avisando que havia um engano, ele também estava vivo! 
Os bebês foram arrumados, trocados, nomes foram dados: Joaquim e José e a alegria se instalou na pequena aldeia com os dois meninos gêmeos.
Os meninos não eram iguais, o Joaquim, era sério, magro, cabelos castanhos, olhos verdes e com personalidade mais reservada. O José era a alegria em forma de menino, gordinho, olhos azuis, cabelos loiros e trazia sempre um sorriso no rosto. O Joaquim era o coroinha da Igreja, já o José dançava divinamente um bailinho português.
E foi assim que os gêmeos cresceram na pequena aldeia atrás das serras no norte de Portugal com muito amor e harmonia!
Os gêmeos cresceram, saíram da aldeia foram para cidade grande trabalhar, no Porto, como nada é igual o José arrumou patrão bondoso, Joaquim patrão severo sem muita piedade de lidar com meninos pobres da aldeia.
Vislumbraram o oceano e novas terras, pegaram o navio vieram para o Brasil. Eles lutaram muito para vencer na vida, e houve muito azeite, bacalhau no meio da história, e festas portuguesas, e trabalho duro...
E por incrível que pareça a vida como ela é, vendo a alegria do gêmeo loiro, de rosto vermelho, que adora dançar nos bailinhos de música portuguesa, ceifou-lhe a vida de seu filho primogênito de forma brusca, instantânea e idiota, numa queda de moto sem que nem para que...
A alegria espontânea do José foi levada junto com a morte de seu filho Alexandre, nome do avô... O José não dançou mais nos bailinhos portugueses, ficou triste, chegou a ficar deprimido, mas teve que continuar na estrada da vida. E então, com o passar da vida a gente aprende aceitar o inaceitável porque não há maneira de resolver o problema. Se o problema não tem solução resolvi está...
E foi assim, que dia 18 de Setembro, os gêmeos diferentes completaram setenta e três anos. E a vida continua para os que amam, para àqueles que em meio as dificuldades, continuam a “nadar, e a nadar, e a nadar...”.

domingo, 16 de setembro de 2012

Receita da avó e Chocolate


Receita da avó e Chocolate



Eu estava dormindo, mas a tosse chegou para me visitar. Aquela tosse que faz coceira na garganta, que atrapalha reuniões, peças de teatro, cinema, aulas, consultas, etc. Você faz de tudo para se livrar dela, mas nada tem solução, ou raramente tem... Tenta-se beber um copo d’água, chupar uma bala, mas a coceira na garganta insiste em ficar e provocar tosse e mais tosse. O jeito é pedir licença e ir para fora do recinto tossir, tossir, tossir, sem parar... Então foi o que fiz, fora do quarto podia tossir a vontade se não fosse meia noite. Foi nessa hora que me lembrei da receita da minha avó Etelvina. Ela dizia: “- Para tosse passar, é só comer um pedaço de chocolate!”. Fui até o armário peguei um pedacinho de chocolate preto e para que não tivesse erro, um pedacinho de chocolate braço, e os dissolvi separadamente cada um...
Deitei e nada de tosse. Pensei: “– Será que resolveu?”. Dito e feito, tinha dado certo! Sentia o gostinho do chocolate na minha boca e ao mesmo tempo lembrava-me do esconderijo secreto de chocolates da minha avó Etelvina na sua casinha de pedras numa aldeia em Portugal, foi século passado, ela já partiu, mas a receita ficou conosco.
Não sei por qual razão o chocolate cessa a tosse. Eu vou pesquisar, ver se há fundamentos neste fato, mas quando estava comendo o pedacinho de chocolate e me lembrando da minha avozinha sorrindo e feliz, meu corpo aqueceu e a tosse foi mesmo embora, adormeci...