domingo, 11 de dezembro de 2016

Guilherme Arantes - Meu Mundo e Nada Mais

Whatsapp




Whatsapp




          Whatsapp, eu queria declarar morte a essa aplicativo chato e gosmento, mas que "raios" que todo mundo usa essa "coisa" pegajosa e manipuladora, com apelido de ZAP ZAP. Quer coisa mais esdrúxula que esse aplicativo, que você odeia, mas que todo mundo tem e se comunicam por ai? São milhares de mensagem , que quem trabalha não consegue ficar lendo, e no meio delas tem algo de interesse como a data e hora de tal evento que você precisa saber... Além se não bastasse tudo isso, você não pode sair do grupo, porque aparece explicitamente " fulano" saiu do grupo, e ainda diz se a pessoa está online ou offline. Escrevi para o whatsapp, perguntando se dá para não aparecer que você está online ou que você saiu de um grupo, responderam que por hora não farão as alterações sugeridas mas que serão anotadas.
          Sinto-me presa dentro do livro de George Orwell, ele só podia ser um visionário, escrever um livro em 1949, dizendo como o mundo seria no futuro, chegou o dia! Estamos lá presos, dentro do livro em 2016!
          Às vezes só não desligo meu celular, porque como sou médica alguém da família ou algum amigo pode precisar de mim. Além disso, tenho que ficar atenta se não vão ligar da escola, como já ligaram que ele estava com febre e dor de cabeça, porque sou a única para quem eles possam ligar... Então, meu celular continuará ligado, e eu refém disso tudo. Já que é para investir vamos, investir em celulares ultramodernos. Eu acho que é a principal coisa no mundo atual.
          Quando eu era pequena, ganhei um LP que se chamava "Os Corujinhas", era um grupo infantil e para lá de legal. Numa faixa do LP, um dos corujinhas havia ganho uns fone de ouvidos ultra modernos, e ele ficava lá, o tempo inteiro com os fones de ouvidos e fora do mundo, os outros corujinhas nem mais conseguiam falar com ele. Até que aconteceu uma emergência e ele nem se deu conta, por mais que os amigos chamassem, conseguiram se salvar e ele jogou os tais fones de ouvido no lixo.
          Esta é uma pequena história...

LRG
11/12/2016


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O Choro do meu filho...








O Choro do meu filho...


          Já era tarde da noite, talvez umas vinte e três horas. Eu estava no meu quarto, para variar, lendo meus livros, no caso "Deus, Mensagem ao Mundo de Neale D. Walch", em que ele diz que as pessoas não entenderam nada do que Deus disse... Foi quando escutei meu filho chorando, chorando bem alto. Não, não era um choro de birra, não era um choro por causa de um brinquedo quebrado, por ter se machucado de leve; era um choro profundo, aqueles vindo da alma, daqueles que não facilmente controlados... Ouvia-se o choro incessantemente, e era um choro dolorido. E eu, com aquela preguiça de levantar da cama e não ser nada relevante, já que eu deito e levanto mil vezes porque esqueço de alguma coisa... Gritei do quarto: "- Lucas, Lucas, o que foi?". Não obtive resposta, e o choro continuava... Para ver como estão as coisas ultimamente, resolvi ligar para o celular dele, do quarto para a sala ou cozinha, não atendeu... Não teve outro jeito, eu tive que levantar...
          Eu vim pelo corredor, que dá no quarto dele, sala e cozinha, quando o encontro sentado no colo da avó e chorando copiosamente, na cozinha em frente a televisão. Então perguntei "- Gente, o que está acontecendo aqui?". O choro era sério... Minha mãe (avó), estão respondeu: "- O Lucas está chorando por causa do avião que caiu e matou todos aqueles jogadores chapecoenses...". Eu disse: "- Para Lucas, já foi...", Ele respondeu: "E se você eu mãe, que estivesse no avião, você não iria chorar?
          O choro era verdadeiro, via-se que vinha do fundo da alma, cheio de dor, um menino de nove anos chorando tristemente... E não só chorava pelas vítimas, mas pelos familiares que ficaram, pelas crianças... Olhei para televisão, falava-se sobre isso na SIC, TV Portuguesa. Antes tinha percebido que ele tinha assistido vídeos no youtube sobre a tragédia... Realmente é algo para se chorar, um acidente estúpido, por falta de gasolina... Fico pensando o que os outros países pensam da gente...
Não sabia como consolar o meu filho... Pensei rapidamente, o que vou falar? Que sabe um dia os encontramos... Então, veio-me a coisa mais boba que se pode vir na cabeça: "- Para de chorar Lucas!              Eles estão todos lá no céu agora! Estão todos bem! Você está chorando à toa, como se eu acreditasse nisso... Mas veio como um supetão, as palavras saíram sem eu querer da minha boca, que até mesmo fiquei surpresa com o que disse... Deitei na cama, e fiquei pensando, será um condicionamento imposto pela sociedade desde os primórdios da nossa existência terrestre, pensar assim? Teremos que raspar as camadas de tinta que nos foram pintados os nossos sentidos? Será que aqueles que partiram estão todos no céu? É tudo uma ilusão? O que mais poderia falar para o menino? Ele se acalmou, pensou que estão todos lá, jogando futebol no céu... Eu, já não sei de nada... "Só sei que nada sei" (Sócrates)... É duro crescer...

Lilian Regina Gonçalves
06/12/2016


sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Leonard Cohen - Dance Me to the End of Love





Adeus...

O amor






O amor


O amor é grande, mas cabe dentro de um olhar...
O amor é grande, mas cabe dentro de uma flor...
O amor é grande, mas se aperta no coração...
O amor é grande, mas cabe dentro de uma lágrima!

E é tão grande que atravessa oceanos,
Muda todos os planos,
Banha as estrelas,
Atravessa o Universo...

Na verdade, o amor não tem tamanho...
Penso que não possa ser medido,
Nunca esquecido,
E nem mesmo vencido...

Não existe nada mas lindo,
Que o amor, seja ele qual for,
De onde surgir,
Para onde quiser ir...

E se não fosse ele,
Nada faria sentido,
Muitos teriam desistido,
Seja lá do que for...

E nada está perdido,
E tudo se transforma,
Não importa o tamanho,
Quando o amor de faz...

E nesse mundo de reveses,
Onde tudo parece confuso,
Há de se haver esperança...
Que o amor vença sempre...

E num coração desolado,
Onde não se acredita mais no amor,
Basta olhar ao seu redor,
E o encontrará dentro de um olhar...

É preciso estar atendo,
Quando se perdeu a esperança,
Olhe para uma criança, olhe uma joaninha, olhe uma flor,
E neles encontrarás de novo, o amor...



By Lilian Regina Gonçalves
11/11/2016

sábado, 5 de novembro de 2016

Álvaro de Azevedo Marques Junior


Alvão








          O Alvão era o meu professor de Direito Civil, digo era, porque não é mais, partiu... Foi mais um que desapareceu das pessoas que amo... Digo que o amo porquê o amo, como diz Fernando Pessoa:
" Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?". Era um amor de admiração, pois não conseguia entender, eu até uma neurologista, ter um professor de idade já avançada e tão ativo e competente, dando suas aulas, para tantas turmas da faculdade, indo e vindo, tendo uma vida independente, admiro essas pessoas...
          Já no primeiro ano da faculdade, antes mesmo, de ter aula com ele, já via o tal "velhinho", digo assim, porque ele próprio se autodenominava desse modo, porque acho que ninguém é velhinho, todo mundo é uma alma, umas mais bonitas e outras mais feias... Ele era uma alma bonita, se via de longe, só por ser um professor, aquele que quer ensinar, que quer transmitir seus conhecimentos tão difíceis de serem aprendidos é um herói, pelo menos neste país que sabemos que os professores não são muito valorizados... Os alunos tinham medo dele, diziam que a prova era difícil, que haviam duzentas perguntas para serem estudadas e decoradas para a prova, e que era uma catástrofe... Eu não via assim e pensava, gosto dele mesmo assim... 
          Então, uma surpresa aconteceu, fiquei sabendo, não me lembro como, que ele havia estudado com o meu padrinho Antônio Gouveia na segunda turma de Economia da Fundação Santo André (FSA), como não acredito que acasos não existem, fui perguntar para o meu padrinho se ele se lembrava dele, sim, meu padrinho lembrava, da mesma forma, eu fui para o Alvão se ele lembrava do meu padrinho, mas ele não lembrava... Pensei, não faz mal, quem sabe se encontram na minha formatura e se reconhecem, conversam, lembram dos tempos antigos, e tudo será divertido e engraçado... Meu padrinho já está convidado, será meu padrinho da formatura de Direito, como foi de Batismo e da Faculdade de Medicina, pensei nesse reencontro, porque a vida é feita de conexões das quais nem imaginamos..
          Quando começaram as aulas de Direito Civil II com ele no segundo ano, não tinha me enganado com minhas expectativas, ele era um excelente professor, explicava tudo direitinho, todas as leis, dava exemplos muitas vezes engraçados, eu me divertia muito, quando podia tirava uma foto com o celular escondida para mostrar para meu filho Lucas de 9 anos que eu tinha um professor velhinho, ele vibrava... 
          O que ele escrevia na lousa era difícil de entender, mesmo porque, eu como médica já via a dificuldade dele em elevar o ombro, havia uma limitação, era evidente, mas ele ignorava... A fala, às vezes devido a própria idade, também era difícil de entender, mas após seis meses já estávamos entendendo até o que ele escrevia na lousa.  Os alunos mais novos não compreendiam as dificuldades dele, mas eu, como médica, neurologista, clínica geral sabia de tudo e só podia olhar para ele e admirá-lo...Ele me chamava de Regina, não de Lilian, é são poucas pessoas que me chamam pelo meu segundo nome, ele dizia que era Regina significava rainha... Eu ficava morrendo de desapontá-lo e ir mal na prova dele, mas isso não aconteceu... Ficava feliz porque iria ter mais um ano inteiro, o terceiro ano, de Direito Civil com ele...    
          Às vezes, eu via o Alvão chegando e indo embora da faculdade com sua pasta de apontamentos na mão, andar incerto da idade, ficava meio apavorada e pensava comigo: "- Ai meu Deus se ele tropeça e cai, nestas escadas e rampas, fechava os olhos e pensava firme que isto não iria acontecer". E não aconteceu na faculdade, mas ele caiu, como tantos outros velhinhos caem... Na residência de neurologia fiz um trabalho junto com a geriatria sobre "Quedas em idosos" e como isso era frequente e avassalador para os idosos, lembro que eu ia ao Ambulatório de Geriatria, entrevistava os idosos e era cada coisa que acontecia que só com anjo da guarda mesmo...
          Infelizmente a história teve um desfecho triste, ele caiu e acabou indo, faleceu... Eu gosto do termo "desaparecimento", não faleceu. Aprendi esse termo com um idoso de 93 anos, que como o Alvão, é um perfeito gênio, tem as limitações do corpo, mas o cérebro está lá, funcionando bem e a todo vapor... Quando o filho dele, que era meu melhor amigo, faleceu com cinquenta e um anos com infarto fulminante, e seu Lysis, com oitenta e sete anos dizia quando conversávamos e conversamos: "- ...desde o desaparecimento do Flavio etc", eu gostava do termo que nunca havia ouvido " desaparecimento", então penso, não, eles não morreram, eles desapareceram, mas estão em algum lugar... 
          Quantas saudades professor!















Lilian Regina Gonçalves
05/11/2016     

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Eles se foram...





Eles se foram...






          Eles se foram, se foram para nunca mais voltar. Partiram para não sei onde e deixaram uma saudades de que fere, maltrata, faz chorar. É saber que não dará mais para vê-los, nem escutar suas histórias, suas explicações, e que essa ausência para sempre. 
Por mais que a morte da minha avó tivesse me abalado, nada foi maior do que a morte do meu melhor amigo, foi como se eu tivesse levado uma facada dentro do coração. Já faz mais de cinco anos do seu "desaparecimento" e a ferida só amenizou...
          Quando o Flávio Aloe faleceu procurei saber onde ele estava de toda maneira, eu tinha que encontrá-lo de qualquer maneira. Como em cinco segundos ele caíra morto de infarto fulminante sem ao menos me dizer: "- Já vou para nunca mais...". 
Eu como neurologista, quero sempre saber o porquê das coisas, sei que não sou Deus e nem sei se ele existe. Fiz todas as perguntar para mim a nível de neurociências, procurei em todos os livros, sites, sobre para onde vai nossa consciência depois que morremos, já que o corpo já sabemos... Li muito sobre Experiência Quase Morte, que era minha esperança que parecia mostrar que íamos para algum lugar, mas a neurociência tinha uma explicação neurofisiológica para tudo, o túnel de Luz, a recepção das pessoas que já tinham ido... Irá impossível combater as explicações da neurociência: "não existe nada".
          Procurei todas os tipos de religião, falei com todos seus representantes, ninguém me convenceu, Eu andava de carro e se via uma igreja com Luz entrava e falava e perguntava... Ouvi de tudo, em alguns momentos acreditei para desacreditar depois... Algumas religiões diziam que ele estava dormindo na terra até o dia do juízo final, outras que ele estava numa das moradas do Pai, outras que ele estava num hospital de recuperação no céu, foram tantas coisas que ouvi que não consegui aceitar nada. O que pude concluir é que para quem tem uma religião e acredita nisso e bem mais fácil viver, mas para mim, para mim? Uma neurologista como acreditar? Eu tenho uma religião, porque o cérebro é preparado para se acreditar em alguém para amenizar a própria morte.
          Muitas coisas aconteceram, busquei até uma psicografia que até me ajudou muito, parecia muito ser palavras dele... Mas a neurociências também comprova todos esses fenômenos como sendo da própria atividade cerebral, temos capacidade de saber o que outra pessoa está pensando. A psicografia nada mais é do que uma pessoa lendo a mente da outra, não era o Flavio, era os meus próprios pensamentos... A única coisa que me acalmou foi um amigo que também neurologista disse para mim: "- Calma Lilian, a Física Quântica  um dia irá explicar...". Parecia plausível a ideia dele! Li um pouco de física quântica mas não entendi muita coisa, mas acho que a resposta estará aí...
Por incrível que parece depois que o Flavio Alóe faleceu, comecei a ir no Divã do Gikovate, Flávio Gikovate, queria perguntar para ele algo sobre isso, um médico, psiquiatra, psicanalista, deveria ter algo para me falar. E foi ele quem realmente me ajudou a aceitar o fato. Com seu jeito preciso, sem muito blá, blá, blá, disse logo: "É uma pena! Mas nunca iremos saber, só saberemos quando realmente passarmos para o lado de lá, e não tem o que fazer...E eu, em particular, não estou nem um pouco interessado em saber o que tem do lado de lá, porque estou muito feliz aqui! Todos iremos saber um dia". E ainda citou o filósofo Sócrates, que preferiu tomar cicuta ao negar seus princípios filosóficos e escapar como um covarde fugitivo. E Sócrates dizia mais ou menos assim: "- Eu não tenho medo da morte, ou ela será um sono profundo da qual nunca mais iria acordar, mas se existir alguma coisa, eu vou encontrar todos os poetas que gosto e será uma festa!
          E foi assim, que o Flávio Gikovate conseguiu por paz no meu coração... Grande homem, sábio, de uma visão ímpar da relações humanas. Eis que o pior aconteceu, este ano, em Abril, se não me engano, descobriu um câncer de pâncreas. Todos os médicos sabem que este câncer é o pior que tem, que em cinco meses a pessoa se vai... Ele estava esperançoso, mas tenho certeza que sabia do que se tratava, mesmo assim seguiu em frente com toda força do mundo, escreveu um livro novo, lançou-o na Livraria Cultura do Conjunto Nacional e foi um sucesso. Eu disse para o Flavio pelo Twitter, que o David Bowie, quando soube de seu câncer fatal, não se esmoreceu, gravou um CD que que foi considerado uma obra de arte "Lazarus", e que ele teria forças e ainda lançaria um novo livro. No final fiquei até chateada de ter dito isso para ele, porque era como que eu estivesse dizendo que não teria jeito o câncer de pâncreas... Ele continuou com o programa no Divã do Gikovate numa menor frequência, mas eu nunca mais tive coragem de o vê-lo. Realmente sou uma pessoa fraca para morte... Já levei muitas broncas por causa disso, foram tantas que já perdi as contas, mas esta sou eu. Saudades dos Flávios! 













domingo, 30 de outubro de 2016

Bruxismo Durante o Sono






Bruxismo durante o Sono



Flávio Alóe* 
Lílian Regina Gonçalves** 
Alexandre Azevedo*** 
Ricardo Castro Barbosa**** 



RESUMO Bruxismo durante o sono (BS) é uma parassonia caracterizada por movimentos involuntários e estereotipados com ranger dos dentes durante o sono. A prevalência do BS é igual nos dois sexos, variando de 3% a 20% na população geral, sendo mais comum nos jovens. O BS secundário é causado por transtornos neurológicos ou pode estar associado a transtornos primários do sono e antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina. Já o BS primário apresenta fatores de predisposição genética ou psicológica, má oclusão dentária, disfunção leve dos gânglios da base e combinações desses fatores. Os principais sinais e sintomas do BS incluem o ruído característico de ranger dos dentes, desgaste dentário, dor local, hipertrofia dos músculos masseteres e temporais, cefaléias, disfunção da articulação temporomandibular, sono de má qualidade e sonolência diurna. O diagnóstico clínico de BS é feito por meio da história do paciente, do cônjuge e do exame odontológico. A polissonografia documenta a presença de episódios de ranger dos dentes, permitindo identificar alterações da arquitetura do sono, presença de microdespertares, abalos mioclônicos de membros inferiores, roncos e distúrbios respiratórios sonodependentes. O tratamento deve ser direcionado para os fatores etiológicos com base no BS secundário. Não existe tratamento-padrão para o BS primário, devendo este ser individualizado ao paciente. 
O tratamento odontológico do BS primário e secundário com placas de repouso tem como objetivo prevenir danos das estruturas orofaciais e aliviar dor craniofacial. O tratamento comportamental inclui técnicas de relaxamento, abstinência de cafeína e tabaco. O tratamento farmacológico do BS primário e secundário emprega drogas agonistas dopaminérgicas, benzodiazepínicos ansiolíticos, buspirona, hipnóticos não-benzodiazepínicos, como o zolpidem, relaxantes musculares, certos antidepressivos, como mirtazapina, nefazodona, trazodona, bupopriona e drogas antiepilépticas, como a gabapentina. 
Aplicações locais de toxina botulínica nos músculos masseteres e temporais podem ser utilizadas em casos de bruxismo intenso não-responsivo à terapêutica convencional. Unitermos: Ranger de dentes, bruxismo durante o sono, tratamento comportamental e farmacológico. 

* Médico Assistente do Centro Interdepartamental para Estudos do Sono do HC-FMUSP. 
* * Médica Neurologista Colaboradora da Divisão de Clínica Neurológica do HC-FMUSP. 
*** Médico Psiquiatra. Pós-graduando do Departamento de Psiquiatria da FMUSP e Colaborador do Centro Interdepartamental para Estudos do Sono do HC-FMUSP. **** Cirurgião-Dentista, LIM 23 – FMUSP, do Departamento de Otorrinolaringologia da FMRP-USP. 

Introdução

 Segundo Dorland’s Illustrated Medical Dictionary, a palavra bruxismo vem do grego brychein, que significa ranger dos dentes. Porém, foi Pietkiewicz em 1907 que introduziu o termo “bruxomania” pela primeira vez no vocabulário médico contemporâneo, descrevendo casos de ranger de dentes durante o dia1. A Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD – 1997) define o BS como movimentos estereotipados e periódicos com ranger e/ou cerrar de dentes, decorrentes da contração rítmica dos músculos masseteres durante o sono. O bruxismo que ocorre durante a vigília ou bruxismo diurno (BD) e o bruxismo durante o sono (BS) são entidades clínicas diferentes que ocorrem em distintos estados de consciência (sono e vigília), com diferentes etiologias, devendo, portanto, ser diferenciadas porque necessitam de estratégias de tratamentos diferentes. O BD é semi-involuntário, ocorrendo principalmente em vigília com contrações episódicas da musculatura da mastigação, mais comumente com cerrar da mandíbula ou ranger de dentes; é também geralmente causado por outras condições médicas (por exemplo, neurolépticos, distonia, etc.). 

Epidemiologia

          Ranger de dentes durante o sono é comum na população geral. Cerca de 85% a 90% das pessoas relatam episódios de ranger de dentes ao longo dos anos de suas vidas . A prevalência exata de ranger de dentes na população geral é imprecisa e subestimada porque a maioria dos estudos epidemiológicos de bruxismo é baseada em populações e metodologias diferentes, a partir de relatos subjetivos ou questionários preenchidos pelos portadores e ou familiares, utilizando-se diferentes definições clínicas e sintomatológicas. Por exemplo, apenas 5% a 20% dos pacientes com BS tomam consciência dos episódios de ranger de dentes. A prevalência de BD, segundo relatos dos portadores, é de aproximadamente 20% da população adulta, sendo predominante em mulheres. Por outro lado, o BS acomete 14% a 20% das crianças abaixo de 11 anos, sendo sua prevalência fortemente dependente da idade, aparecendo na infância após a erupção dos dentes decíduos ou no início da adolescência, reduzindo-se após os 40 anos de idade. O predomínio de BS é de 13% entre 18 e 29 anos, caindo para 3% em indivíduos de 60 anos ou mais 4,8. 
          Um estudo franco-canadense de 1994, com 2.020 adultos, descreve BS com episódios frequentes, ocorrendo em 5% a 8% dos adultos sem diferença entre os sexos. O estudo epidemiológico de Ohayon et al. realizado em 2001 com 13.057 entrevistas por telefone com pessoas da Alemanha, do Reino Unido e da Itália comprovou que BS ocorrendo pelo menos duas vezes por semana tem uma prevalência de 8,20%, com taxas mais altas dos 19 até os 44 anos, mas igualmente entre os sexos. Estudos brasileiros de prevalência de parassonia, realizados por Braz et al. em 1990 e Palma et al. em 1995 em mil habitantes da cidade de São Paulo, registraram taxas de 6% a 8% para queixas de ranger de dentes11,12. 
          O BS parece ser uma doença crônica persistente com evolução a partir do seu aparecimento na infância ou na adolescência para a idade adulta. Estudos longitudinais revelam que 35% a 90% das crianças com BS evoluem com sintomas na idade adulta. Em conclusão, o BS é mais comum na infância, não é incomum na idade adulta e apresenta uma tendência para persistir na idade adulta em diante, reduzindo-se na terceira idade. Predisposição genética Nenhum marcador genético específico foi encontrado para o BS. Entretanto, 21% a 50% dos pacientes com BS têm pelo menos um membro direto da família com BS. Filhos de portadores de BS apresentam maior risco de desenvolvê-lo. Estudos realizados com gêmeos monozigóticos e dizigóticos mostraram que BS é mais comum em gêmeos monozigóticos. 

Etiologia, classificação e fatores de risco

          O BS é classificado como primário quando não há causa médica evidente, sistêmica ou psiquiátrica. É classificado como secundário quando vem associado a um transtorno clínico, neurológico ou psiquiátrico, relacionado a fatores iatrogênicos (uso ou retirada de substâncias ou medicamentos) ou a outro transtorno do sono (Tabela 1). A maioria dos casos de BS é de etiologia primária. Bruxismo secundário pode estar associado a outros distúrbios do movimento (doença de Parkinson, doença de Huntington, síndrome de Shy-Drager, distonia oromandibular, discinesia oral tardia, síndrome de Gilles de la Tourette, espasmos hemifaciais, acatisia ou distonia tardia) ou à hemorragia cerebelar, atrofia olivopontocerebelar, nas demências, na fibromialgia, na dor miofacial, em crianças com retardo mental, com hiperatividade e déficit de atenção, na síndrome de Rett, na esquizofrenia, no transtorno do estresse pós-traumático e na bulimia nervosa. 
          O BS pode ser causado por uso de substâncias, como álcool, cafeína (doses altas), cocaína, anfetaminas, substâncias relacionadas às anfetaminas, como o metilenodioximetanfetamina (MDMA) ou ecstasy, assim como por medicamentos antipsicóticos antagonistas da neurotransmissão dopaminérgica, antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina, citalopram, escitalopram, venlafaxina), fenfluramina e inibidores dos canais de cálcio (flunarizina). Vários fatores de risco e doenças estão associados ao BS. Fumantes apresentam um risco aumentado em duas vezes de desenvolverem BS, e os fumantes que já são portadores de BS apresentam mais episódios de ranger de dentes durante o sono. O BS está associado com a síndrome das pernas inquietas e com os movimentos periódicos dos membros (mioclonias noturnas) em 10% dos casos. Cerca de 3,5% a 5% dos portadores da síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono apresentam BS. O BS pode representar uma manifestação subclínica e precoce do distúrbio comportamental do sono REM. Ware et al. denominaram em 1988 como bruxismo destrutivo o quadro clínico de BS com sintomas clínicos intensos cuja atividade neuromuscular oromandibular intensa e anormal ocorre predominantemente em sono REM, diferenciando-se do BS primário que ocorre predominantemente no estágio 1 e ou 2 do sono NREM. Segundo descrito anteriormente, existem várias maneiras de se classificar o bruxismo, como, por exemplo, de acordo com manifestações diurnas e noturnas, intensidade das manifestações clínicas e estágio do sono; o bruxismo destrutivo por exemplo, de acordo com a etiologia, pode ser classificado como primário ou secundário (Tabela 1). Quadro clínico 
          Considerando-se que o ranger de dentes é comum na população em geral, ele pode ser considerado um fenômeno normal. Contudo, o BS passa a ser uma anormalidade quando sinais e sintomas associados ou causados pelo ranger de dentes se tornam intensos. A freqüência dos sintomas do BS primário é muito variável, sendo possível existir, nos casos mais leves, intervalos de tempo de até semanas sem manifestações clínicas ou surtos com períodos longos de atividade que coincidam com estresse psicológico. O BS secundário apresenta manifestações clínicas mais constantes. Ranger de dentes durante a vigília e durante o sono não se limita exclusivamente a surtos de atividade orofacial. Há várias outras manifestações que ocorrem simultaneamente, como automatismos mastigatórios, movimentos orofaciais (caretas, sucção), protusão lingual, chupar de dedos e até onicofagia. O sintoma mais importante relatado pelo portador ou pelos familiares é o ranger dos dentes com os ruídos característicos semelhantes ao atrito de “granito contra granito”, que incomoda ou preocupa os parceiros ou membros da família. Curiosamente, os portadores de BS não conseguem reproduzir voluntariamente seu ruído durante a vigília. A dor é um sintoma freqüente e importante no quadro clínico do BS. Dor ou hipersensibilidade dentária a estímulos quentes ou frios, mialgia do masseter e temporal, dores de cabeça matinal ou ao longo do dia, cervicalgia, dor de garganta e dores torácica-abdominais são relatadas. Aproximadamente 40% dos pacientes com bruxismo queixam-se de dor orofacial e rigidez mandibular matinal A mialgia mastigatória (ou dor local dos músculos mastigatórios) exerce um efeito inibitório sobre o ocorrência e a intensidade de ranger de dentes. 

Tabela 1 
Classificação do bruxismo durante o sono:

1. Primário ou idiopático 
• Periférico: – fatores oclusais 
• Central: – desequilíbrio aminérgico do sistema nervoso central

2. Secundário 

• Associado a medicamentos ou outras substâncias: – antidepressivos inibidores seletivos recaptação da serotonina – inibidores dos canais de cálcio (flunarizina) – levodopa – drogas antidopaminérgicas – antipsicóticos (antagonistas da neurotransmissão dopaminérgica) – anfetaminas – substâncias relacionadas às anfetaminas (MDMA – metilenodioximetanfetamina ou ecstasy) – cafeína – cocaína – tabaco – álcool

 • Associado a transtornos do sono (segundo a ICSD 1997*): – síndrome das pernas inquietas – movimentos periódicos dos membros inferiores – distúrbio comportamental do sono REM – síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono

• Transtornos neurológicos – distonia oromandibular – doença de Huntington – espasmo hemifacial – doença de Parkinson – discinesia tardia pós-neurolépticos – síndrome de Gilles de la Tourette – atrofia de múltiplos sistemas – atrofia olivopontocerebelar – demências – hemorragia cerebelar – dor miofacial – retardo mental – hiperatividade – déficit de atenção – síndrome de Rett – estado de coma – encefalopata pós-anoxia 

• Transtornos psiquiátricos: – esquizofrenia – transtorno do estresse pós-traumático – bulimia nervosa 

• Outras doenças: – fibromialgia – dor miofascial – síndrome de Sjögren. 

Bruxismo durante o Sono na noite subseqüente a uma noite com atividade oromandibular intensa. Essa reação, semelhante à dor pós-exercício, é um mecanismo protetivo contra o aparecimento de dano articular. A observação clínica de uma redução do ranger dentes associada à presença de dor local com características de pós-exercício é um sinal peculiar do BS. Cicatrizes de cortes na língua podem estar presentes. Bader et al. relatam que 19% dos portadores de BS apresentam hipertensão arterial sistêmica e 31% a 50% apresentam dificuldades eréteis, além de zumbido, tensão muscular, sudorese noturna e palpitações. Cerca de 70% a 80% das pessoas diagnosticadas com BS apresentam sintomas de sono fragmentado, sonolência excessiva diurna moderada a intensa, sono não-restaurador, despertares noturnos, sudorese ou pesadelos. Dores de dente e sintomas de disfunção da articulação temporomandibular são os sintomas que levam os portadores a buscar tratamento odontológico. 

Em conclusão, o BS é uma condição crônica altamente heterogênea com um amplo espectro de intensidade. 

A tabela 2 resume as principais características clínicas do bruxismo. Achados odontológicos no BS O bruxismo é a principal causa de lesão traumática do periodonto e de hipermobilidade dentária. A totalidade dos portadores de BS apresenta sinais de desgaste dentário com facetas polidas ou exposição da dentina, mas cerca de 40% dos portadores do BS são assintomáticos. Sensibilidade dental ao calor e/ ou ao frio pode estar presente, como também trincas e fraturas em dentes e/ou restaurações são observados em alguns casos. Indivíduos com BS apresentam maior risco de disfunção da articulação temporomandibular (ATM). Disfunção da ATM é caracterizada por dor articular, estalos, crepitação (“ranger de areia dentro do ouvido”) e trismus com limitação dolorosa na abertura bucal. A palpação da musculatura mandibular e o exame visual ao fechamento mandibular para o diagnóstico da disfunção da ATM revelam dor e/ou hipertrofia muscular abaixo da curvatura zigomática. 

Fisiopatologia

          Múltiplos fatores com diferentes pesos participam da fisiopatologia do BS primário. Acredita-se existir uma associação de alterações da neurotransmissão.

 Tabela 2 Características clínicas do bruxismo:

 • Relatadas durante o sono: – ranger dos dentes – sons notados por outra pessoa – automatismos orofaciais mastigatórios e movimentos excessivos dos lábios e da língua – movimentos de membros inferiores – sudorese excessiva durante o sono (23%) – pesadelos – palpitações (62%) – despertares breves durante o sono – despertares súbitos com taquicardia 
• Relatadas pelos pacientes ao acordar ou pela manhã: – dor ou desconforto dos músculos da mandíbula (86%) – cefaléia com localização temporal (48% a 65%) – rigidez da mandíbula e redução de sua motilidade, causando dificuldade para mastigação no desejum (40%)89 – redução da intensidade do ranger de dentes desencadeada por dor muscular local – exacerbação dos sintomas acima com tensão emocional – hipersensibilidade dos dentes a alimentos frios ou quentes, líquidos e ar – sensação de boca seca – ferimentos em língua, lábios e bochechas – dores de dente – dor de garganta (69%)89 – cervicalgia (69%)89 – dor torácica-abdominal (69%)89 – zumbidos – dores musculares difusas 
• Sintomas relacionados ao sono (72% a 80%): – sono não-restaurador – sonolência excessiva diurna – fadiga 
• Observadas por dentistas ou médicos: – exacerbação de doenças periodontais – desgaste dentário/obturações brilhantes – abrasão e perda do esmalte dentário com exposição da dentina – rotura das restaurações dentárias – dentes partidos – redução do fluxo salivar – hipertrofia de masseteres, temporais, pterigóides mediais e laterais – dor à palpação dos músculos e mobilização dolorosa da articulação temporomandibular – cortes na língua – parotidite ou sialolitíase – gengivite 
• Outros sintomas: – traços de personalidade com propensão à ansiedade – redução da libido (31% a 50%) – hipertensão arterial sistêmica, fatores psicológicos, transtornos oclusais e alterações do sono na gênese do BS. Neurotransmissores e vias neurais no bruxismo.
          Não existe uma estrutura funcional e anatômica no SNC identificável como centro neural gerador específico de movimentos oromandibulares involuntários. Contudo, existem indícios da participação da neurotransmissão dopaminérgica, noradrenérgica e serotoninérgica na gênese e na modulação do bruxismo. Os axônios dos neurônios serotoninérgicos do núcleo dorsal da rafe se projetam via trato rafe-tegmento para a área ventral do tegmento mesencefálico e via trato rafe-córtex para o córtex frontal, modulando os neurônios dopaminérgicos da área ventral do tegmento mesencefálico que, por sua vez, se projetam para o córtex pré-frontal via trato mesocortical, inibindo movimentos oromandibulares involuntários.
          O sistema dopaminérgico parece ser o mais importante na gênese do BS, existindo duas hipóteses compatíveis com alterações dopaminérgicas: 

1- Hipótese hiperdopaminérgica:
          Pacientes com doença de Parkinson podem apresentar ranger dos dentes durante tratamento com levodopa. É sabido que o uso crônico de drogas antidopaminérgicas causa hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos, podendo causar manifestações de discinesia tardia e ranger de dentes. Os estados hiperdopaminérgicos induzidos por anfetaminas, metilenodioximetanfetamina (MDMA) ou ecstasy e cocaína podem também causar ranger de dentes durante a vigília e o sono. 

2- Hipótese hipodopaminérgica:
          Existem relatos na literatura de que a administração de baixas doses de L-dopa exerce efeito terapêutico com atenuação dos episódios de ranger de dentes em casos de BS primário. A associação de BS com outros transtornos relacionados com alterações da transmissão dopaminérgica contribui para o entendimento do papel dopaminérgico no BS primário. Cerca de 10% a 20% dos portadores de BS apresentam sintomas de pernas inquietas com movimentos periódicos dos membros durante o sono (MPMS). Existem evidências mostrando uma disfunção dopaminérgica moderada pós-sináptica do striatum e pré-sináptica do putamen na Modulação Motora Normal Neurônios serotoninérgicos com axônios na via rafe–tegmental (VRT) e na via rafe–cortical (VRC) modulam: (a) disparos dos neurônios dopaminérgicos do trato mesocortical (TMC) originados da área ventral tegmental (VTA) e (b) a liberação sináptica de dopamina no córtex pré-frontal (CPF), respectivamente. Na rafe (R), auto-receptores 5-HT1A regulam disparos de neurônios serotoninérgicos. Esses mecanismos compreendem a modulação motora normal. 
Efeitos dos Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS). Pelo bloqueio da recaptação 5-HT, os ISRS aumentam a quantidade de serotonina disponível na fenda sináptica, levando a um aumento da ligação heterorreceptora de 5-HT (1) e diminuição dos disparos dos neurônios dopaminérgicos do trato mesocortical (TMC), e down-regulation de auto-receptores 5-HT1A, aumentando os disparos de neurônios serotoninérgicos no sítio. O resultado é a redução da ligação de dopamina aos seus receptores, levando a desinibição motora pela CPF, resultando no bruxismo. 

Efeito da buspirona 

          A buspirona se liga ao receptor como um agonista de 5 HT1A (1), causando diminuição dos disparos dos neurônios serotoninérgicos, diminuição da liberação de 5-HT e da ligação heterorreceptora.  A redução da transmissão serotoninérgica causa aumento dos disparos dos neurônios dopaminérgicos e aumento da liberação sináptica de dopamina. A modulação motora é restaurada e o bruxismo, eliminado. Agonistas dopaminérgicos, como pramipexole, pergolida, lisurida, carbegolina ou bromocriptina, são efetivos no tratamento da síndrome das pernas inquietas, atestando redução da neurotransmissão dopaminérgica nos gânglios da base na síndrome das pernas inquietas. Pacientes com síndrome das pernas inquietas, de modo semelhante às pessoas com BS, apresentam resposta intensa a doses baixas de agentes dopaminérgicos; esse fato sugere que há principalmente um acometimento pré-sináptico das células produtoras de dopamina em vez de uma disfunção pós-sináptica. Pacientes com síndrome das pernas inquietas, da mesma forma que pessoas com BS, não apresentam flutuações nos sintomas motores com o tratamento a longo prazo com agentes dopaminérgicos, como ocorre com os portadores de doença de Parkinson. Isso indica que o sistema nigroestriatal não está acometido no BS e na síndrome das pernas inquietas. Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina podem causar sintomas extrapiramidais, como tremores finos de membros superiores, acatisia, distonia, parkinsonismo, discinesia tardia e ranger de dentes. O aumento da transmissão serotoninérgica induzida pelos ISRS produz uma redução dopaminérgica nos circuitos mesocortical e nigroestriatal que desinibe o córtex pré- frontal, causando automatismos oromandibulares e ranger de dentes durante o sono. Os ISRS estão contra-indicados para o tratamento de sintomas de ansiedade ou depressão em portadores de BS. Atividade muscular mastigatória rítmica durante o sono Apesar de o sono ser considerado um período de relativa redução da atividade motora, há registros videopolissonográficos de atividade orofacial durante o sono. Atividade muscular mastigatória rítmica durante o sono (AMMRS) ou automatismo mastigatório é a denominação para uma atividade rítmica automática da musculatura mastigatória registrada durante o sono em pessoas normais e em portadores de BS. Os episódios de AMMRS estimulam a salivação, e os transtornos médicos que causam xerostomia cursam com aumento de natureza compensatória do número de episódios de AMMRS30. Um estudo do ano de 2001 de Lavigne et al. com 82 voluntários normais demonstrou que 58% dos indivíduos avaliados apresentavam AMMRS sem ranger de dentes não associados a microdespertares e não associados com elevação fásica da freqüência cardíaca. A constância de episódios de AMMRS declina significativamente na quarta década de vida, paralelamente com o declínio da prevalência de BS. Os episódios de AMMRS são, portanto, considerados uma manifestação motora orofacial normal. Contudo, os portadores de BS apresentam diferenças quantitativas e qualitativas em relação à AMMRS A freqüência de AMMRS no BS é de três a oito vezes maior do que nos voluntários normais. Cada episódio de AMMRS em portadores de BS apresenta-se com um aumento da duração, amplitude e redução dos intervalos entre os episódios. Além disso, os episódios de AMMRS ocorrem em associação com o ranger de dentes, sendo precedidos por microdespertares registrados e documentados no EEG e aumento fásico da freqüência cardíaca. O microdespertar parece ser o fator primário no desencadeamento dos episódios de AMMRS no BS30,31,32. Kato et al. demonstraram que adultos jovens portadores de bruxismo apresentaram sete vezes mais episódios de AMMRS com ranger de dentes induzidos por estímulos artificiais de despertar quando comparados com voluntários normais pareados para idade e sexo. 
          O ranger de dentes durante o sono poderia ser considerado, portanto, uma atividade oromotora não normalmente excessiva, secundária ao microdespertar. Fatores outros, como doenças, estresse e drogas, reforçariam e aumentariam a AMMRS e os surtos de ranger de dentes. 

Aspectos psicofisiológicos

          Existe uma crença de que a ansiedade é um cofator que contribui diretamente para o BS. De fato, portadores de bruxismo parecem ser mais vulneráveis à ansiedade, ao estresse e ao desenvolvimento de sintomas psicossomáticos. Ansiedade, tensão, emoções negativas e frustrações causam aumento da hiperatividade neuromuscular, redução da taxa de secreção salivar durante o sono e a vigília e conseqüentemente aumento de episódios de AMMRS e de ranger de dentes durante o sono. A prevalência de ranger de dentes é mais elevada em pacientes adultos que vivem sob tensão emocional, que são hiperativos, agressivos ou que apresentam uma personalidade compulsiva. Verificou-se que alguns indivíduos com tensão emocional continuam a ranger os dentes mesmo após tratamento específico para a má-oclusão. utros estudos empregando questionários padronizados, como o Minnesota Multiphasic Personality Inventory e o Cornell Medical Index, não demonstram diferenças nos itens de psicopatologia entre pacientes e controles normais. 
          Em conclusão, pode ser que o componente comportamental seja um importante fator causal, que deve ser adequadamente avaliado e tratado quando estiver presente. Fatores odontológicos periféricos A teoria odontológica da década de 1960, que relatava que os elementos “periféricos” como a má- oclusão dentária e os fatores mecânicos dentários seriam as bases do BS, é atualmente, no mínimo, controversa e inconclusiva. Pessoas sem dentes também apresentam registro de AMMRS. Isso indica que contato de superfícies dentárias não é um fator causal para o desencadeamento de atividade oromotora durante o sono. O estudo de Lobbezoo et al. de 2001 não documentou correlações entre alterações oclusais e atividade eletromiográfica mastigatória em pessoas com BS moderado a grave, dando a entender que os fatores periféricos não são instrumentais na gênese do BS. Por fim, o contato mecânico dentário é o último evento na seqüência de eventos no BS. O primeiro evento na seqüência é a ativação do SNC com despertar e atividade alfa no EEG, ativação do SNA com aumento da freqüência cardíaca e, por último, ativação da musculatura mastigatória e contato de superfícies dentárias. Desse modo, não há evidências convincentes de que a teoria do desajuste oclusal seja válida ou instrumental. Manifestações oromandibulares durante o sono A maioria (60% a 80%) dos episódios de ranger de dentes ocorre nos estágios 1 e 2 do sono NREM e raramente em sono profundo. Episódios de ranger de dentes podem ocorrer mais freqüentemente ou exclusivamente durante o sono REM, como no bruxismo destrutivo.

Macroarquitetura do sono

          A macroarquitetura do sono de portadores de BS abaixo de 40 anos é geralmente normal, isto é, as latências de sono, as quantidades dos diferentes estágios de sono e o número de despertares não-transitórios são normais. O BS em populações de mais idade é geralmente acompanhado de queixas de má qualidade de sono. Contudo, alguns autores relatam alterações, como aumento do número de mudanças dos estágios do sono, alterações nas latências de sono REM (prolongada ou reduzida) e redução da quantidade de sono REM .Alterações da microarquitetura do sono e atividade do sistema nervoso autonômico A freqüência de microdespertares em adultos jovens portadores de BS é geralmente normal. Contudo, o aumento do número de microdespertares seguidos ou não de mudanças de estágio de sono, surtos breves de atividade alfa no EEG de sono, aumentos fásicos da freqüência cardiorrespiratória e pressão arterial estão freqüentemente associados a episódios de AMMRS com ranger de dentes em portadores de BS acima de 40 anos de idade. Cerca de 50% dos episódios individuais de ranger dos dentes são precedidos de surtos breves de atividade alfa no EEG da polissonografia, observados principalmente durante o sono leve (estágios 1 e 2) e menos freqüentemente durante o sono delta e o sono REM. Cerca de 86% dos episódios de ranger de dentes em adultos jovens ocorrem durante o estágio 2 do sono NREM. Esses surtos de atividade alfa são breves demais para serem estagiados como despertares de acordo com as regras tradicionais de estagiamento da macroarquitetura do sono. Por outro lado, esses despertares breves ocorrem associados com ativação do SNA simpático e causam fragmentação do sono, sintomas subjetivos de sono de má qualidade, sonolência excessiva diurna e fadiga. Atividade do sistema nervoso autônomo em portadores de BS Apesar de os portadores de BS poderem apresentar sintomas autonômicos durante o sono, não há evidências de uma disfunção primária no funcionamento do SNA durante o sono ou vigília. Por outro lado, o registro de sono de portadores de BS documenta ativação fásica e transitória do sistema nervoso autonômico simpático associado a episódios de AMMRS com ranger de dentes. Há surtos de aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial que podem ocorrer na ausência de despertares no EEG de sono. Esses episódios fásicos de ativação do sistema nervoso autonômico simpático sem despertares característicos no EEG são considerados por alguns autores como despertares autonômicos ou despertares subcorticais. Os microdespertares resultam da ativação de regiões da substância reticular do tronco cerebral envolvendo circuitos aminérgicos (orexina e dopamina) controladores da atividade do SNA simpático, tálamo-corticais (despertares no EEG de sono) e circuitos motores (bruxismo e mioclonias noturnas)32. Esses despertares subcorticais são relevantes para a homeostase cardiovascular. Estudos da microarquitetura do sono que utilizam o sistema de estagiamento de padrão cíclico alternante (cyclic alternating pattern – CAP) mostram que 60% a 88% dos episódios de bruxismo que ocorrem durante o sono não-REM estão associados à fase ativa do padrão de alternância cíclica, dando a entender que a ativação do SNA está envolvida no BS25,54. Essas alterações descritas anteriormente sugerem que os episódios de ranger de dentes são parte integrante e dinâmica de uma reação de despertar, por estarem associados a manifestações transitórias autonômicas e motoras.

Outras manifestações durante o sono

          Cerca de 60% a 80% dos episódios de ranger de dentes se associam com atividade eletromiográfica anormal e periódica dos músculos tibiais anteriores, característica da síndrome dos movimentos periódicos dos membros durante o sono (MPMS). 

Diagnóstico

 O diagnóstico de BS não é simples. De acordo com a Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICSD), bruxismo durante o sono pode ser diagnosticado clinicamente quando houver os seguintes sinais: desgaste dentário anormal, ruídos de ranger de dentes durante o sono e desconforto muscular mandibular2. Contudo, o diagnóstico clínico de BS realizado no consultório médico por meio da anamnese apresenta sérias limitações e deve ser complementado com exame orofacial e avaliação odontológica. Sete sintomas e sinais clínicos auxiliam o diagnóstico de bruxismo: 1) ruído durante o ranger dos dentes; 
2) queixa de dor e fraqueza nos músculos da mastigação e cefaléias ocasionais (músculos temporais); 
3) desgaste dentário (um ou mais dentes); 
4) sensibilidade dos dentes para frio e/ou calor; 
5) hipertrofia de músculos masseteres e temporais; 
6) crepitação da articulação temporomandibular ou redução da amplitude de abertura da mandíbula; 
7) cicatrizes de cortes na língua 

Polissonografia

          O registro polissonográfico de uma pessoa com histórico clínico de ranger de dentes deverá incluir eletrodos de eletromiografia colocados nas regiões dos músculos masseteres, temporais, frontais bilaterais e registro audiovisual simultâneo. O registro audiovisual é importante para diferenciar episódios de bruxismo com o engolir e o ronco e para registrar movimentos do corpo e sons de ranger dos dentes. A polissonografia de portadores de BS exclui outros distúrbios do sono, tais como: síndrome da apnéia do sono, movimentos periódicos dos membros, distúrbio comportamental do sono REM e outras atividades. A variabilidade da ocorrência de atividades oromotoras durante o sono é mais intensa em portadores de BS leves ou moderados, fazendo-se necessárias duas noites de polissonografia, enquanto para os portadores de BS grave com menor variabilidade uma noite é suficiente.

Tratamento do BS

 Não existe atualmente uma estratégia específica, tratamento único ou sequer cura para o BS. Utiliza-se, portanto, tratamento comportamental, odontológico, farmacológico e suas combinações, de acordo com o perfil do portador para alívio dos sintomas. No passado recente, o tratamento do BS primário tinha como objetivo prevenir danos das estruturas orofaciais e das queixas dolorosas, mas, atualmente, o tratamento do BS primário é baseado nos mecanismos fisiopatológicos subjacentes da doença. O tratamento de BS secundário deverá ser dirigido à causa específica, além das medidas descritas abaixo quando também indicadas.

Tratamento comportamental 

          O tratamento comportamental inclui medidas de higiene do sono, biofeedback, relaxamento, hipnoterapia e técnicas para controle de estresse.

Higiene do sono

          Higiene do sono é um conjunto de instruções com o objetivo de corrigir alguns hábitos pessoais e fatores ambientais que interferem na qualidade do sono. 

Higiene de sono

1) Deite-se quando estiver sentindo sono. 
2) Evite café, chá, chocolate e medicamentos com cafeína. 
3) Evite álcool, no mínimo, 6 horas antes de dormir. 
4) Evite fumar, no mínimo, 6 horas antes de dormir. 
5) Evite comer, fumar e álcool no meio da noite. 
6) Evite refeições pesadas antes de dormir. 
7) Faça exercícios físicos 4 a 6 horas antes de deitar-se.
 8) Reserve 20 a 30 minutos do seu tempo à noite, 4 horas antes de dormir, para “resolver” seus problemas. 
9) Ingira um lanche com leite e/ou derivados e carboidratos antes de dormir. 
10) Manter horários constantes para dormir e acordar, mesmo nos fins de semana. 

Biofeedback 

        O biofeedback é uma técnica de relaxamento auxiliada pela monitorização de determinadas variáveis fisiológicas, como a eletromiografia, a temperatura cutânea, a freqüência cardíaca, a pressão arterial e a atividade eletrodérmica. O paciente recebe um treinamento especializado com o objetivo de aprender a relaxar a partir da observação e controlando essas funções fisiológicas monitorizadas com o equipamento. Os efeitos benéficos do biofeedback para tratamento do BS não persistem após o término do tratamento. 

Técnicas de relaxamento específicas

          Incluem manobras específicas para o relaxamento da musculatura mandibular, como, por exemplo, relaxar suas mandíbulas, enquanto os lábios estão fechados e os dentes separados, várias vezes ao dia ou em que o paciente cerra voluntariamente os dentes por cinco segundos e então relaxa a mandíbula por cinco segundos, repetindo esse exercício em cinco séries, seis vezes por dia, por duas semanas. Deitar em decúbito lateral pode produzir resultados positivos com a mandíbula e o pescoço em repouso. 

Hipnoterapia 

A hipnoterapia ou auto-hipnose é uma técnica de relaxamento. A pessoa relaxa os músculos da mandíbula e associa o estado de relaxamento muscular com imagens. Em estudo realizado por Clarke et al. com oito indivíduos portadores de BS, a hipnoterapia produziu melhoras objetivas e subjetivas de até 36 meses de seguimento. 

Tratamento comportamental da ansiedade

          O estresse deve ser considerado um fator permissivo associado ao BS, apesar de não existirem estudos controlados que determinem o verdadeiro papel da ansiedade no desenvolvimento e na manutenção de BS3. Manejo do estresse e mudanças no estilo de vida têm sido sugeridos se o portador de BS apresenta sintomas de ansiedade. 

Tratamento odontológico

          Quatro tipos de tratamento odontológicos são recomendados3: 
1) ajuste oclusal; 
2) restauro das superfícies dentárias com coloca- ção de coroas, pontes, etc.; 
3) ortodontia; 
4) uso de dispositivos intra-orais (placas). Os três primeiros tratamentos são irreversíveis e devem ser indicados criteriosamente segundo a necessidade. Os dispositivos intra-orais têm como objetivos o alívio da dor e a prevenção de lesões nas estruturas orofaciais e na disfunção da articulação temporomandibular. Dois tipos de aparelhos podem ser utilizados: os protetores bucais flexíveis ou os rígidos. O protetor bucal flexível é recomendado apenas para uso por pouco tempo devido à rápida degradação do material, enquanto as placas rígidas de estabilização são mais indicadas para uso a longo prazo. O mecanismo de ação dos aparelhos intra-orais e sua eficiência clínica na atividade neuromuscular durante o sono e a arquitetura do sono ainda não estão bem estabelecidos. Alguns trabalhos mostraram redução nos níveis de atividade eletromiográfica (EMG) no BS com o uso a curto prazo da placa macia. Ao contrário, outros estudos documentam um aumento na atividade muscular em 20% dos usuários de placas rígidas e 50% dos usuários de placas flexíveis. A aderência do tratamento com placas a longo prazo é baixa, com menos de 20% dos pacientes usando após um ano. 

Tratamento farmacológico

          Não há um tratamento farmacológico específico e reconhecidamente efetivo a longo prazo para o BS primário e para o BD. Diferentes drogas já foram sugeridas para o tratamento farmacológico, mas existem apenas alguns poucos estudos controlados que avaliam eficácia, segurança farmacológica e repercussões sobre o BS13, (Tabela 3). 

Agentes dopaminérgicos

          A literatura sobre a eficácia de uso de agentes dopaminérgicos é limitada e ainda inconclusiva. O estudo clínico duplo-cego de Lobbezoo et al. realizado em 1997 com doses baixas de L-dopa e benserazida em portadores de BS primário demonstrou apenas um efeito atenuante de 30% dos sintomas de bruxismo em pacientes com BS primário. A bromocriptina, um agonista do receptor D2 dopaminérgico, foi avaliada em um estudo duplo-cego controlado com placebo para tratamento de bruxismo do sono. Na dose de 7,50 mg, a bromocriptina não reduziu a freqüência de episódios de ranger de dentes durante o sono ou a amplitude das contrações musculares do masseter avaliada pela polissonografia. Até o momento não existem estudos com demais agonistas dopaminérgicos (lisurida, pergolida, cabergolina, pramipexol e ropinirol). 

Zolpidem 

          Zolpidem é um hipnótico não-benzodiazepínico agonista seletivo GABAérgico de meia-vida curta. Três estudos clínicos recentes relatam efeitos positivos do zolpidem respectivamente na doença de Parkinson, na paralisia supranuclear progressiva e na síndrome das pernas inquietas com melhora significativa dos sintomas motores nessas três condições consideradas hipodopaminérgicas. A razão para essa melhora na doença de Parkinson, na paralisia supranuclear progressiva e na síndrome das pernas inquietas residiria na existência de uma alta densidade de receptores de ligação ao zolpidem nos gânglios da base. Portanto, é possível que esse efeito positivo em doenças com alterações dopaminérgicas possa também ocorrer no bruxismo durante o sono, de acordo com as evidências hipodopaminérgicas da gênese do BS (retrocitado). Além disso, o zolpidem teria também atuação positiva sobre os microdespertares que ocorrem antes da AMMRS. Contudo, esta é uma hipótese a ser testada, pois não existem estudos clínicos de tratamento de BS com zolpidem.

 Antidepressivos

         Antidepressivos tricíclicos têm sido recomendados de modo estritamente empírico para o tratamento do BS. Um estudo de 1997 documenta que baixas doses de amitriptilina no BS é clinicamente ineficiente para seu tratamento. 

Benzodiazepênicos

          Relaxantes musculares centrais do tipo benzodiazepínicos (diazepam) produzem melhoras no BS, mas devem ser usados por um tempo limitado. É possível que o clonazepam seja útil no BS, pois é uma das drogas de escolha para o tratamento das mioclonias noturnas, haja vista que cerca de 60% a 80% dos portadores de BS também apresentam abalos de membros inferiores. O efeito agudo dos benzodiazepínicos com sedação, déficits cognitivos e ataxia deve ser considerado antes de iniciar o tratamento, bem como seu uso a longo prazo que expõe o paciente a riscos de tolerância e dependência. 

Antidepressivos com perfil agonista dopaminérgico com perfil agonista dopaminérgico, como a amineptina e a bupropiona, seriam potencialmente úteis no tratamento do BS, de acordo com as teorias de modulação dopaminérgica do BS. Antidepressivos com o perfil antagonista 5-HT2, como a mirtazapina, a clomipramina, a trazodona, a nefazodona e a ritanserina, são alternativas a serem consideradas no tratamento de BS. O efeito anti-5- HT2 dessas drogas produz um aumento do sono de ondas lentas em voluntários normais e em pessoas com depressão. Sabe-se que a atividade oromandibular anormal é menos abundante e intensa em sono profundo, portanto, o aumento da quantidade de sono delta teria um papel protetor contra o BS. Agonistas dos receptores serotoninérgicos 5-HT1 e 5-HT3 facilitam a liberação de dopamina, enquanto agonistas 5-HT2 inibem a liberação de dopamina72. Assim, o bloqueio de receptores 5-HT2 promovido por esses agentes resultaria em maior atividade dopaminérgica do trato mesocortical. Contudo, não existem, até o momento, estudos controlados para o tratamento do BS com mirtazapina, clomipramina, trazodona, nefazodona e ritanserina. Buspirona Bostwick et al. relataram quatro casos de bruxismo em pacientes que faziam uso de sertralina e apresentaram alívio do BS após introdução de buspirona na dose de 10 mg/dia27. A buspirona produz uma redução da atividade serotoninérgica do núcleo dorsal da rafe, atuando como um agonista nos auto-receptores pré-sinápticos 5-HT1A. A estimulação desses receptores diminui a freqüência de disparos do trato rafe tegumento mesencefálico e do rafe córtex pré-frontal. Como conseqüência, levará a um aumento da atividade dopaminérgica e diminuição da atividade oromandibular. 

Agentes anticonvulsivantes Estudos recentes têm demonstrado que algumas drogas anticonvulsivantes (DAC) mais modernas produzem maior estabilidade do sono em pacientes epilépticos e não-epilépticos73. A gabapentina, DAC agonista GABAérgica e moduladora dos canais de sódio, promove aumento do sono delta e do sono REM em indivíduos saudáveis. Sabe-se que a atividade oromandibular anormal é menos abundante em sono delta, portanto, o aumento da quantidade de sono delta teria um papel protetor contra o BS. A gabapentina é também usada, principalmente, como droga coadjuvante no tratamento de epilepsia parcial e vem sendo usada no tratamento de ansiedade, tremor essencial, como analgésico na dor pós-herpética e na neuropatia periférica. Ansiedade e dor são fatores freqüentemente associados com BS56. Brown et al. demonstraram o efeito terapêutico da gabapentina 300 mg à noite em paciente com bruxismo secundário ao uso de venlafaxina. A gabapentina também é usada com bons resultados clínicos em doses de 1.500 mg/dia a 2.000 mg/dia no tratamento da síndrome das pernas inquietas e nas mioclonias noturnas, condição associada em cerca de 10% dos casos de BS. Portanto, a gabapentina parece ser uma droga potencialmente útil no BS por causa da sua capacidade de aumentar o sono delta, de seus efeitos analgésicos com poucos efeitos tóxicos, por reduzir a ansiedade e exibir eficiência clínica e polissonográfica na síndrome das pernas inquietas e nas mioclonias noturnas. O topiramato é outra DAC com mecanismos de ação GABAérgicos, antagonismo glutamatérgico e bloqueio dos canais de sódio que produz estabilidade do sono em pacientes epilépticos. Não existem relatos de uso de topiramato em casos de BS. Agentes beta-adrenérgicos

          O propranolol, agente beta-adrenérgico, foi relatado como efetivo no tratamento de um paciente com BS primário e efetivo em dois portadores de bruxismo iatrogênico secundário a uso agudo e crônico de antipsicóticos. Não se sabe se a ação do propranolol é devida à ação sedativa indireta, ou se pode estar relacionado com a redução da atividade da formação reticular medular ascendente, inibindo os motoneurônios trigeminais provavelmente por meio de receptores beta-adrenérgicos. O uso de propranolol pode causar piora de distúrbios respiratórios do sono, pesadelos e insônia. 

Toxina botulínica

          A toxina botulínica do tipo A (TXB-A) é um tratamento efetivo para determinados transtornos neurológicos79,80. O mecanismo de ação da TXB-A faz-se por meio do bloqueio da liberação da acetilcolina na junção neuromuscular, gerando denerva- ção química com paresia muscular focal82. A TXB-A foi usada para tratamento de bruxismo secundário relacionado a outros transtornos do movimento, como distonia cervical, espasmos oromandibulofaciais e doença de Huntington. O efeito clínico da TXB-A no bruxismo secundário é observado em aproximadamente dois a quatro dias após a injeção, haja vista que os efeitos benéficos duram cerca de quatro meses com redução dos sintomas diurnos e da hipertrofia muscular dos masseteres e dos temporais. 
          Tratamento com TXB-A é relativamente seguro, e a ocorrência de disfagia e paresia da musculatura mastigatória e facial é incomum44. Um estudo realizado no ano 2000 relata o uso de TXB-A em 18 pessoas com ranger de dentes refratário aos demais tipos de tratamento clínico e odontológico. TXB-A nas doses de 25 MU a 100 MU foi eficiente para eliminação dos sintomas82. Não existem estudos a longo prazo comprovando a eficácia de TXB para o tratamento de bruxismo primário ou secundário. 

SUMMARY Sleep bruxism Sleep bruxism (SB) is a parasomnia characterized by stereotyped jaw movements manifested by involuntary, excessive and injurious teeth grinding and clenching during sleep. SB prevalence rates varies widely ranging from 3% to 20% in the general population being more common in the young and with no relevant gender difference. Secondary SB relates to medical, neurological, psychiatric, iatrogenic, drug-induced or a combination of these factors. Primary SB pathophysiology has been associated with mild dysfunction of the basal ganglia, psychosocial and environmental factors, tooth interference, genetic influences and a combination of these factors. The main signs and symptoms of BS include grinding noises, dental wear, masseter and temporal muscle hypertrophy, local pain, temporo-mandibular joint disease, unrefereshing nocturnal sleep and daytime sleepiness. Primary SB manifestations are highly variable over time. Clinical diagnosis of primary SB is made by means of the patient’s history and dental examination. Sleep studies are indicated to rule out associated sleep pathology as sleep-disordered breathing, periodic leg movements during sleep and to determine sleep-state teeth grinding. Therapeutic approaches for secondary SB consist of management of the underlying medical, psychiatric or substance-related conditions. Primary SB therapeutics encompasses several customized approaches to the subject’s clinical characteristics. Dental treatment with mouth gards aims primarily at preventing oro-facial damage and pain. Behavioural treatments as alcohol, caffeine, tabacco avoidance and psychotherapy are reccomended. Pharmacologic therapy with muscle relaxants, benzodiazepines, antidepressants other than SSRIs, anti-epileptic drugs can be employed. Botulin toxin type A IM applications into mastigatory muscles stand as alternative for unresponsive cases of primary and secondary SB. Keywords Teeth grinding, sleep bruxism, behavioral and drug treatment. 

Trabalho realizado no Centro Interdepartamental para Estudo do Sono do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (CIES HC-FMUSP).

Artigo na Íntegra:
http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2003/RN%2011%2001/Pages%20from%20RN%2011%2001.pdf

Lilian Regina Gonçalves
30/10/2016

domingo, 23 de outubro de 2016

Um senhor especial

Um senhor especial





          Ele mora lá, encostado a parede de fora do estabelecimento onde trabalho. Não o consigo chamar de "mendigo", para mim seria um senhor especial...  Como a característica da construção tem como se fosse um teto que sai da parede,  junto ao chão, forma como se fosse um caixão, sem uma das partes laterais. A casa dele é essa, tem exatamente o comprimento do seu corpo para se deitar, um cumprimento um pouco maior que um caixão, a parede do lado de fora do estabelecimento e uma parte aberta que é por onde ele entra agachado e deita-se para se recolher. A porta lateral ele improvisou com papelão, cobriu o chão com alguns panos e essa é sua casa. Faça sol, chuva, tempestade, esteja a temperatura que estiver, ele está lá.
          Todas às vezes que chego para trabalhar, tenho até medo de olhar para lá e não o ver, porque não consigo acreditar como uma pessoa pode resistir a tudo isso... Mas há um detalhe, ele é feliz, não reclama, não enche a cara com bebidas alcoólicas e não usa droga... Fico pensando que o anjo da guarda dele é forte, dos bons mesmo ou que Deus o ama tanto que o protege com uma capa super protetora invisível.
          Às vezes, quando dá aquelas tempestades terríveis, eu fico imaginando como ele estará, e como terá ficado sua casa-caixão. E quando faz aquele frio de doer os ossos penso nele, que não vai resistir... Ele é um senhor de uns cinquenta a sessenta anos. É muito educado, cumprimenta a gente sempre com um sorriso no rosto. Fala: "- Tchau doutora! Bom final de semana!" ou " - Tchau doutora, bom descanso e boa noite"!. 
Eu nunca vi ele pedir nada. Outro dia disse que tinham algumas pessoas que o ajudavam, que o levavam para contar o cabelo, davam alguma coisa para ele... Eu sempre falo "tchau", quando esqueço, ele grita bem alto no meio da praça e diz "tchau" doutora, sempre muito educado....
          A única coisa que me pediu até hoje, ele deve estar morando na parede há uns quatro anos, foi amostras de vitaminas se eu tivesse porque ele estava se sentindo fraco, e infelizmente não tinha nenhuma e nunca apareceram tais amostras senão as teria dado. E uma vez, eu indo embora, pediu-me três reais para comprar um cup noodles, pois não tinha nada para comer aquele dia no jantar.
Sexta-feira passada ele estava emocionado, eu olhei para ele e vi um broche na sua camisa, um broche que era um mini terço, e falei "-Nossa que bonito!", logo ele falou:  "- Acabei de ganhar de um padre que foi a Itália e se lembrou de mim e trouxe para mim!", seus olhos estavam cheios de lágrimas...
          Elogiei o broche, e ele começou a falar, falar emocionado, e disse: "- Nós e o nosso Palmeiras!", não sei se o Palmeiras tinha ganho algum jogo, mas pensei "nosso". Eu não sou palmeirense!Seria o último time que eu seria... Mas fiquei quieta é falei: " - É, é, é verdade!".
Fui embora pensando, da onde ele havia tirado que eu era palmeirense... Depois de muito tempo lembrei, que num dia de chuva, frio eu indo embora, ele na sua improvisada casa, falou como sempre o seu "tchau" e mal eu o conseguia  ouvir por causa da chuva torrencial, ele me perguntou se eu era palmeirense. Pensei, como vou deixar o senhor triste nessa situação e gritei: "- Sou, sou sim!". E ele todo feliz disse: "É isso aí doutora! Bom final de semana!". E foi assim que virei palmeirese por alguns minutos, só por alguns minutos...  

Lilian Regina Gonçalves
23/10/2016

sábado, 15 de outubro de 2016

Flávio Gikovate: Um Adeus!

Flávio Gikovate: Um Adeus!







          Não, não consigo dizer adeus para você Flávio Gikovate, como irei fazer isso? Seria uma boa pergunta para você no programa "No Divã do Gikovate", com certeza iria te perguntar...
Todos esses anos que convivemos juntos, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, todas às terças-feiras, às 18:00 h, foi de extremo companheirismo, cumplicidade e aprendizado. É inegável dizer que ali, criou-se um grupo de pessoas que víamos sempre e apesar de não conversarmos uns com os outros sabíamos que éramos uma família, e os laços foram criados. Você já  sabia quem era quem, e às vezes até dizia: "-- Não hoje você não vai perguntar, só se sobrar tempo, deixa quem nunca veio perguntar!. Quando fechava as portas do teatro, não existia mais nada, nem tempo, nem hora, nem lugar, parecíamos um só ser. Você nos cativou, como na História do Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), quando o principezinho cativou a raposa: " Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E serei para ti única no mundo". E foi isso que aconteceu... Nós estávamos todos cativados, e às terças-feiras nunca mais foram as mesmas, porque você fazia parte dela, como diz novamente do livro do Pequeno Príncipe: "Vês, lá longe, o capo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...", assim serão as terças-feiras de todo o resto de nossas vidas, fará lembrar você e de nosso Divã onde todos eram bem vindos e não havia censura no Divã, podia-se fazer qualquer pergunta. Houve momentos de riso, ouve momentos de quase chorarmos no Divã que só nós saberemos, só quem viveu... Quantas perguntas eu fiz, e como você me ajudou, suas respostas caíam como uma luva, eram certeiras...
          Não vou falar aqui o quanto você erá competente, tudo o que você fez, todos os livros que escreveu, porque tudo isso, pode-se achar no Google. Escrevo aqui o que sinto, como você analisava e com sua experiência lidava com os fatos dos seres humanos, muitas vezes até contanto suas experiência pessoas. Sei que foi criticado pelos acadêmicos, que só levam em consideração artigos publicados em revista tal e tal... Você fez diferente, você usou todo seu conhecimento e mais sua experiência não se prendendo a padrões da sociedade acadêmica. Fez bem! Fez muito bem, não precisamos sermos iguais uns aos outros, seguirmos padrões condicionados...
          Porém, o câncer de pâncreas nos tirou de nós. Eu já sabia onde isso ia dar, porque na residência um preceptor da neurocirurgia, Mario Lorenzini, faleceu assim, do mesmo jeito, em cinco meses com o câncer de pâncreas. Eu não tinha esperanças, mas como você tinha tantas, achando que iria se curar, eu também achava que iria conseguir... Pensei que a força de vontade de viver pudesse vencer a morte, mas não venceu... Assim, como médica, já observei em muitos pacientes... 
Eu te incentivei para você escrever um novo livro... Você o escreveu e lançou, você venceu sim o câncer de pâncreas, ele não te impediu de continuar... No dia do lançamento do livro, eu queria muito ter ido, mas há quatro anos meu trabalho tem sido exaustivo, e nunca conseguia sair a tempo de Santo André para chegar no fim da Paulista às 17:30h. Como vou sentir tristeza para sempre de não ter ido, devia ter feito o que todo mundo faz por aí: "Dá um jeito", mas nós, médicos não somos assim, primeiro o paciente, o trabalho, nós fica sempre em último lugar como aconteceu com você, quando não tinha mais sangue nas suas veias, você se sentiu fraco e contra gosto foi ao pronto socorro...
          Nesses últimos dias, vi que as coisas deveriam estar pretas, mandei um twitter, e você não respondeu... E então, soube da notícia... Eu sei que você não queria morrer agora! Quando alguém perguntava se você acreditava em Deus você dizia: "- Eu não sei, e ninguém sabe, só saberemos o dia que morrermos e eu não estou nem um pingo interessado que esse dia chegue". A vida nos pregou um peça! Espero que você volte para nos contar, você está devendo essa pergunta, não se esqueça...
Obrigada amigo, por tudo que fez, você sempre quis ajudar as pessoas, tanto os ricos que podiam ir ao seu consultório, como os que podiam ir até o teatro, como os pobres e os sem tempo que tinham que ouvir o  pelo rádio...
Saudades eternas...

Lilian Regina Gonçalves
15/10/2016