domingo, 5 de fevereiro de 2012

Paciente vinte e três!




Chá da meia noite!


Chamei minha paciente, mas ela não tinha vindo em seu lugar entra a filha. Perguntei como a velhinha estava e se tinha melhorado da memória, pois seu diagnóstico é Alzheimer...  A filha disse: "- Não doutora, não! E começou a me contar as peripécias da velhinha de oitenta e oito anos. Essa paciente com Alzheimer não era tão quietinha como as outras pacientes que tenho atendido... Ela está em alvoroço! De dia, ela ainda passa bem, mas quando começa a anoitecer ela entra em pânico e fica muito agitada! Fiquei sabendo disso, porque falei que se ela passasse mal teria que ir ao pronto socorro. Além da doença de Alzheimer ela tem diabetes e olhando os exames vi que estava toda descompensada e ainda com infecção urinária. Vi que os exames eram de Janeiros pedidos por outro médico. Perguntei se já tinham tratado a infecção urinária, e então, a filha me respondeu: "Não doutora, não”! A consulta com a clinica é daqui uma semana". Fiquei assustada de saber quantos dias ela estava com a infecção urinária e quantos mais iria ficar se a filha não tivesse trazido os exames que o clínico geral havia pedido... O que podia fazer? Tratar e dizer que se ela não melhorasse era para levá-la ao pronto socorro...
Então, começou a história do chá... Não doutora, ela não quer ir ao pronto socorro por causa do chá, do chá da meia noite... Imaginei que ela costumava tomar chá todos os dias à meia noite. Então perguntei: "- Ela toma chá todo dia à meia noite?" Então a filha respondeu: "- Não doutora, o chá da meia noite nos hospitais". Eu fiquei pensando, em todos os hospitais que trabalhei durante todos esses anos, não vi nenhum servindo chá para os pacientes a meia noite... Respondi: "- Não tem chá da meia noite nos hospitais!" A filha um pouco envergonhada explicou que sua mãe guardava na memória uma lenda que sempre ouviu quando era criança, que a meia noite nos hospitais passa tal "chá" que todos os velhinhos tomam e então, não acordam mais nesta vida...
Fiquei alguns segundos pensando e então entendi... Respondi: "- Eu nunca vi esse "chá", mas se ela não quer ir de noite vai de dia...". 
Depois refletindo consegui entender que todo o pânico da velhinha era proveniente do tal chá... Todos os dias ao anoitecer, ela fica desesperada achando que vai para o hospital e de lá nunca mais voltará para casa... Então, toda noite, durante a madrugada ela começa a gritar e pedir piedade de Deus. A filha, que mora em frente à casa da mãe que passa a noite com uma acompanhante. Ás vezes ela é chamada para ir tranquilizar a mãe, e então ela melhora e mais uma noite se passa... 
Agora, pensando bem acho melhor minha paciente ficar em casa mesmo, e se necessário chamar um médico em casa como faziam antigamente... 
Devemos respeitar nossos pacientes e nesse caso, se a velhinha de oitenta e oito anos não quer ir à noite para o hospital, não deve ir mesmo... O pior é fazê-la entender que isso não acontecerá...
   


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