sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Paciente Treze



A blusa de lã azul



Peguei a ficha na mão, vi que a paciente tinha mais de oitenta anos, chamei-a, mas ela não veio, no lugar entra a filha: - Doutora, minha mãe está bem, eu só vim mesmo para pegar as receitas para o Alzheimer... É engraçado, sempre quando atendo meus pacientes com Alzheimer tenho a impressão que o Alzheimer é amigo deles... Também sempre quando ouço que está tudo bem, fico quieta, porque sei que se perguntar  alguma coisa com certeza tudo não estará mais tão bem assim e surgirá uma queixa, um probleminha...
O silêncio reinava no consultório, eu estava fazendo as receitas e receitas, e preenchendo formulários e formulários... Quando a filha da paciente falou: - Doutora tem um problema... Eu pensei claro, sempre haverá um problema... É só pensarmos e pensarmos que vamos o encontrar, mas à vezes é preciso silenciar, colocar para "trás das costas" e continuar o caminho... Então, eu disse que ela podia falar: - Doutora, minha mãe "cismou" com uma blusa azul de lã feita a mão, bem velhinha... Ela só quer vestir essa, a blusa está velhinha, mas eu lavo, está sempre limpinha, mas comprei até uma lã igualzinha à da blusa velha e estou fazendo outra nova... Eu disse: - Vamos ver se ela vai aceitar a blusa nova... E continuei: - Não vejo nenhum problema nisso, deixa-a vestir a blusa preferida dela, vai ver que a faz lembrar bons momentos, quem sabe é a cor que lembra o mar ou o céu, um balão... Não importa se está velha, furada, coloque outra blusa por baixo, e essa por cima. Mesmo que a blusa vire um pedaço de lã, transforme-a em um cachecol, e quando se gastar a tal ponto que não se parece nada, faça um enfeite de cabelo. Ela concordou, e eu disse que isso não a impedia de fazer uma blusa nova, mas querer que uma velhinha de mais de oitenta anos não vista sua blusa predileta é triste...
Então fiquei pensando, vai chegar um dia, em que seu guarda roupas, cheio de roupas, e as lojas mais famosas do mundo, cheia de novas roupas, e sua conta bancária cheia de dinheiro não irão significar mais nada, porque você irá querer vestir aquela blusa velhinha que te faz lembrar coisas boas de um passado, um passado vivido, meio esquecido, mas de alguma forma lembrado, num fio azul de lã...  A vida é assim, às vezes o muito no futuro significará nada, e aquela blusa velha esquecida no teu armário significará tudo... A vida está sempre nos pregando uma peça...


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