domingo, 11 de dezembro de 2011

Paciente Quinze

A velhinha criança!


A velhinha criança!



É uma criança pequena, só que tem oitenta e quatro anos de idade. Ela entrou no consultório com suas duas filhas e a bisneta, e seu diagnóstico é demência. Não, não é doença de Alzheimer, é demência vascular, quando o cérebro sofre várias isquemias que culminam num quadro de demência. Parecia uma velhinha simpática, calma, um doce... Para mim sim, mas quando a filha começou a falar da velhinha fiquei até assustada...  Era cômico se não fosse trágico... A senhora de oitenta e quatro anos de idade havia virado uma criança de uns dois ou três anos. Estava aprontando à beça na casa onde mora com uma das filhas. A  filha então começou a contar e desabafar... Disse que tinha trazido a irmã para ela ouvir o que a mãe andava fazendo, e tudo o que ela estava passando para cuidar da velhinha com demência. Imagino realmente que não deve ser fácil de cuidar de alguém com demência, tem que ter muita paciência, ser uma pessoa calma, acredito até que é melhor levar tudo na brincadeira, como se aquela velhinha ou velhinho realmente fossem uma criança e não soubessem o que estão aprontando... Então a filha começou: "- Doutora, ela vai ao banheiro e pega o papel de lixo sujo para se limpar! Pega o papel do cesto de lixo! Às vezes vamos ao banheiro lavar as mãos e então, não percebemos e enxugamos as mãos e quando damos conta a toalha estava toda borrada, ela se limpou com a toalha... Aí doutora, nem sei se posso continuar a falar, mas não posso mentir, outras vezes ela vem com as fezes na mão e quer saber o que fazer..." Nossa, fiquei imaginando a situação, realmente nada fácil... E às vezes, reclamamos da vida por besteira. Eu olhava para as quatro gerações, a filha que é a cuidadora estava desesperada, a outra filha preocupada, às vezes dava uma risada, porque realmente era engraçado, senão fosse trágico como eu disse... A velhinha não falava nada, nada, nada... E a bisneta da velhinha no colo da filha cuidadora toda agitada. Estava lá eu para resolver o problema. Bom, a primeira coisa que pensei foi nas fraldas geriátricas e logo dei a sugestão, a filha disse que era isso mesmo que ela queria fazer, mas que não tinha dinheiro para comprar as fraldas então, queria que eu desse um relatório solicitando à unidade básica de saúde fraldas para a velhinha, e assim o fiz também prescrevendo toda a medicação...  Mas a filha precisava desabafar e continuou a falar: "- Doutora eu que estou tratando depressão tomando várias medicações, chega à noite eu tomo um remédio para apagar e dormir..." A sorte era que a velhinha dormia bem! Sempre tem um lado positivo, graças à Deus! Isso vejo sempre, enquanto outros com demência passam a noite inteira acordados, falando ou andando pela casa, essa dorme... Mostrei o lado positivo para a filha. Sim, ela concordou e continuou: "- Doutora, ela enxágua a boca na pia da cozinha, temos que ficar correndo atrás dela porque na casa tem escada e ela sai correndo e sobe e desce escada, e temos medo que ela caia e quebre um algum osso. Outro dia, eu tive que sair, e deixei-a trancada em casa, quando voltei, ela tinha tomado banho sozinha, coisa que ela não faz, se trocado sozinha, coisa que ela não faz... Será que ela está fazendo isso para me provocar?" Eu disse: "- Não senhora, não. Vamos começar a medicação e ver se ela melhora..." Uma esperança havia sido lançada no ar: talvez iniciando a medicação "ela melhore..." Ficamos todos felizes, com a "esperança", pois realmente, a esperança é a última que morre...  

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