sábado, 10 de dezembro de 2011

Paciente Quatorze





São Paulo, 30 de Março de 2004.


Jonathan


Poderia ter sido um dia comum como todos os outros em que vivemos sem dar muita atenção para o que está acontecendo. Já estava cansada, tinha levantado cedo, enfrentado um trânsito terrível e nem sequer almoçado, pois o tempo era pouco para tudo o que eu tinha que fazer, e os pacientes estavam a minha espera. Nada de diferente se não fosse um menininho de quatro anos, falar alto todo orgulhoso assim que me viu chegando à minha sala entorpecida pela rotina: - É a minha Doutora, é a minha Doutora! Olhei para aquele menininho e aquelas palavras tocaram imediatamente o meu coração, meu dia estava salvo! Jonathan é um menino muito esperto, apesar de ter tido paralisia cerebral isto é, falta de oxigênio no cérebro durante o parto, suas pernas não se desenvolveram adequadamente e precisam de cuidados especiais. Um desses cuidados é um tipo de injeção, toxina botulínica, que é aplicada nos músculos das pernas para melhorar a espasticidade e facilitar a deambulação. O Jonathan, já havia tomado essas injeções, e é claro, como qualquer injeção doeu muito, mas ele estava ali, firme, sem medo, esperando sua médica. Entrou na minha sala me saudando, mesmo sem sua mãe dizer nada, com uma vivacidade tão grande que me surpreendeu! Como uma criança pode nos trazer tanta felicidade! Elas são tão puras de coração, com sentimentos verdadeiros, se estão tristes estão tristes, se estão alegres, estão alegres, se não gostam de alguma coisa choram ou fazem birra, tão diferentes de nós que temos que ficar controlando nossos sentimentos a toda hora, ou às vezes, temos que fingir ou esconder nossos sentimentos. Elas são verdadeiras, e logo percebi que o Jonathan estava muito feliz e ansioso para me ver, apesar de eu ter lhe causado dor, mas quando sabemos que a dor é para o nosso bem a aguentamos firme... Ele sabia que a dor que eu lhe causara e para essa finalidade, ele estava louco para correr e jogar futebol como os outros meninos. Então, logo falei: - Você não vai me dar um abraço! Ele veio com os seus pequeninos braços abertos e me abraçou fortemente. Eu senti o mundo naquele abraço. Como foi bom sentir aquele braço, era um abraço verdadeiro, puro. Ele logo começou a andar para mostrar como tinha melhorado, e realmente era verdade! Acho que não existe nada mais gratificante na vida de um médico, quando ele vê seu paciente melhorar, o que na neurologia nem sempre é possível, pois a maioria das doenças não tem cura, só controle, e às vezes nem isso... Acredito até que uma vida inteira valha por esses momentos. Este menino só tem quatro anos, o que ele mais quer é correr, pular, jogar bola, pular corda, eu já fui criança e sei disso, para ele é bem mais difícil e ele sabe disso, tem crianças que nascem com outras preocupações, e a vida não é só brincar, e o Jonathan é uma delas. Ele sabe que tem muitas coisas a serem feitas nas suas pernas, e que ele também precisa colaborar. Eu também, quando era criança, fui muito doente, tinha bronquite, e às vezes, ficava sem ar e então corria para o pronto socorro fazer inalações, tomar injeções, remédios... Cheguei consultar muitos médicos. A responsabilidade era grande para todos a fins de melhorar minha doença. Desde então, sentia-me adulta, decidi ser médica com cinco anos e nunca mudei de ideia. O mais engraçado é como minha bronquite foi curada. Um dia a caminho das vacinas contra alergia eu disse para eu mesma: “- É a última vez quê venho tomar essas vacinas, cansei!” Eu tinha doze anos de idade e bronquite desde os dois, nunca mais voltei lá e nunca mais tive crises de bronquite. Podemos curar nossas doenças? Acredito que algumas sim, quando estamos fortemente decididos a nós livrar delas...  Senti o Jonathan firme, decidido, um menino de quatro anos! O Jonathan vai ficar bem, tenho certeza...  

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