quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Paciente Dezenove!


Eu voltei!



A princípio não reconheci a paciente que entrou no consultório. Ela tinha o cabelo raspado e um lenço vermelho na cabeça com alguns desenhos em preto, no peito uma corrente prateada com um pingente de Jesus com os braços abertos, réplica do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Ela entrou contente e disse: "- Doutora, eu voltei!". Não podia imaginar de onde, e nem sequer me lembrava dela, ou talvez não lembrasse por causa do lenço amarrado na cabeça. Eu disse: "Ah, voltou! E como você está? Tudo bem? Eu pensei que ouviria algo terrível, mas estava errada! Ela disse: " - Doutora, eu já fui, já operei a cabeça, e já estou de volta!".  Mesmo assim não conseguia lembrar de nenhum paciente que eu havia mandado para neurocirurgia. E ela continuou: " Doutora, eu tenho vontade de dar-te um abraço, mas você vai pode achar que estou louca! Eu sofria a um ano de uma dor de cabeça horrível, parecia que eu tinha um botijão de gás dentro dela. Eu tinha andado de médico em médico, pronto socorro em pronto socorro, e então te encontrei você me pediu uma tomografia computadorizada da cabeça... Doutora, você não acredita, não me deixaram vir embora, fiquei internada na mesma hora que o exame terminou, eu tinha um tumor na minha cabeça... Eu pensei: "Ai, meu Deus, tumor...”. Peguei os exames que ela havia trazido em uma sacola cheia deles. Comecei a olhar os exames e realmente o tumor era enorme, parecia que ela tinha uma bola de tênis dentro da cabeça, mas para minha felicidade, o tumor era um meningeoma, tumor benigno! Porém, era tão grande que já estava comprimindo o outro lado do cérebro. Ela realmente deveria ter tido muita dor de cabeça e  ninguém deu muita atenção para as queixas dela...
O pior, ou melhor, não sei dizer. Logo após a cirurgia ela começou a ver Jesus de várias formas. Jesus deitado, Jesus sentado, Jesus chorando lágrimas de sangue. Ela disse que era muito real, mas ninguém mais via, ficaram sem saber se era real ou imaginário, e acabaram dando uma medicação para alucinação. Ela acreditou, os médicos acreditaram que foi devido à manipulação do cérebro  durante a cirurgia, e o padre também acreditou que era mesmo Jesus. O filho dela, de vinte e um anos de idade que é "especial", como ela diz, e nunca havia sorrido, quando a mãe voltou para casa começou a sorrir, ela me mostrou a foto do moço no telefone celular sorrindo... O botijão de gás tinha sido eliminado, e ela evoluiu muito bem, sem nenhum déficit motor pós- cirurgia. No final da consulta, pediu-me se podia cantar uma música que ela havia feito sobre Jesus. Pelo que entendi, ela pegou uma música que o padre Marcelo Rossi costuma cantar e incrementou com seu coração e sua experiência pós-cirúrgica... Ela cantou, e foi tão bonito como nunca havia visto igual. Falei para ela gravar e colocar no “you tube” que ela ficaria famosa... É a vida é assim, para o paciente leigo um milagre, para a neurociência tudo explicado cientificamente... Explicável ou não, para ela foi um milagre, deu tudo certo na cirurgia e agora pode ver seu filho que não sorria, sorrindo...

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