segunda-feira, 9 de abril de 2012

Paciente Trinta e Três





Casaco Vermelho


Estava muito calor naquele dia. Eu não ligo para ventilador, e sempre acabo cedendo o do meu consultório do posto de saúde para as meninas da recepção. Porém, aquele dia estava extremamente quente, no mínimo trinta e cinco graus Celsius. Eu, que não costumo suar muito, estava suando debaixo daquele avental branco.
Chamei a paciente, entrou uma velhinha de seus oitenta e poucos anos acompanhada da filha. O problema já era previsto, a filha contou que a velhinha estava estranha, não lembrava várias coisas, perguntava a mesma coisa várias vezes ao dia, e andava tendo atitudes esquisitas. Expliquei para a filha que a idade da mãe dela era muito avançada, provavelmente se tratava de uma demência senil. É claro que a filha já estava esperando ouvir isso, aliás, hoje em dia ficou esquecido todo mundo já lembra a doença de Alzheimer e ficam logo morrendo de medo dela estar andando por perto, querendo fazer companhia... Ninguém quer saber do tal do Alzheimer, ele tem assustado mais do que fantasma! É claro que não posso dizer que ter doença de Alzheimer é bom, mas tenho visto que para alguns pacientes ele pode ser um bom amigo... Dependendo do que tenhamos vivendo em nossas vidas, no final é melhor esquecer-se de tudo e partir desta vida como uma criança... Às vezes sinto que talvez a pessoa desenvolva a doença de Alzheimer como uma forma de se proteger do sofrimento vivido ou do sofrimento que está previsto viver. Não sei, sou uma pessoa que sempre está pensando sobre tudo  e seu por que! Ai que cérebro o meu, nasceu assim! Deus que me desculpe tantos questionamentos, mas sou assim, desde quando era pequena... Já chegaram a me falar: "-Desista, suas perguntas não têm respostas!". Eu fico desesperada, quero sempre que as coisas façam um sentido, talvez se não pensasse tanto fosse bem mais feliz! Mas é assim, por isso digo que não sei se ter a doença Alzheimer é tão ruim para algumas pessoas... Não posso afirmar em tão pouco tempo de consulta, se o "esquecimento" da dona Idalina, seria algo de bom ou ruim para ela, pois não parecia muito preocupada, como diriam os jovens, "estava na dela".  Mas havia um problema, e eu não havia reparado, e então a filha falou:  "- Olha doutora, ela só quer andar com esse casaco vermelho e esse  gorro vermelho, faça frio ou calor..." E foi então, quando dona Idalina se levantou para sair do consultório que percebi como ela estava vestida naquele dia quente de verão: casaco de inverno comprimido e gorro de lã ambos vermelhos, uma saia de tecido de verão florida, nada de meias ou botas, mas sim chinelos tipo havaianas nos pés. Realmente algo não estava bem com dona Idalina, pois ela estava sentindo frio só da cintura para cima! Sem realmente se importa, dona Idalina saiu andando do consultório sem dizer uma palavra. Fiquei pensando porque dona Idalina fazia tanta questão de andar com seu casaco vermelho... Será que foi um casaco dado por seu amor? Será que foi o casaco que ela sempre sonhou a vida inteira em ter e agora tinha? Será que era para esquentar o frio de sua alma?  Talvez não seja por nada, ou talvez ela se ache parecida com alguma atriz de cinema com esse casaco... É a vida é assim, o que nos vai dentro da alma somos nós que podemos dizer ou sentir, ninguém mais...

Nenhum comentário:

Postar um comentário