sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Paciente Três

A Doença Certa


A Doença Certa



Chamo pelo nome o próximo paciente. Vejo um senhor por volta de 78 anos entrando no consultório com passos curtos. No primeiro momento já percebi que se tratava de um paciente com doença de Parkinson. Logo atrás do paciente vinha uma senhora que provavelmente seria sua esposa. Então, perguntei se ele estava bem. Sabemos que fazer uma pergunta dessas na área da Neurologia e sempre ouvir "Não", e depois disso muitas lamúrias e queixas. Todos nós sabemos que na Neurologia, as doenças geralmente são crônicas, irreversíveis, com tratamentos limitados. Desde quando estava na faculdade ouvi todos os professores falarem: "A neurologia é uma especialidade em que não temos nada para fazer, porque geralmente as doenças são intratáveis e poucos são os medicamentos que dispomos para tratar estes pacientes". Porém, não tinha jeito, eu já havia me apaixonado pela neurologia, no primeiro ano da faculdade, na primeira aula de neuroanatomia. Lembro-me da aula até hoje, era uma aula que explicava as vias dos sentidos, paladar, olfação etc. Era demais, uma perfeição microscópica  fantástica de toda circutaria dos neurônios e seus caminhos, para cada sentido, uma via. Foi amor à primeira vista! No decorrer dos anos da faculdade, estava certa que queria seguir esta especialidade, apesar de que sabia que iria cuidar de pessoas realmente limitadas e que não poderia fazer muita coisa por elas. Até tinha uma piada no meio médico que dizia que na neurologia era assim em relação aos pacientes: "Se o paciente está bem dê meticorten, se está mal dê gardenal" Bom, voltando ao paciente, bem sei o que ele iria dizer: "Eu estou mal, doutora. Cada dia pior. Não consigo me mexer. Estou travado. Estou tremendo muito etc.", mas pela minha surpresa ele disse: "-Estou bem doutora!". Fiquei feliz, mas é claro, que atrás dele vinha a esposa, na espreita, controlando cada palavra, gesto do seu par, como é comum acontecer nos casamentos. Ela disse: "- Não doutora, ele está muito devagar!" Logo em seguida ele responde: "- Também, eu não tenho pressa! Foi engraçado, dei uma risada. Então sua esposa começou a falar: - Ele sempre foi assim doutora, desde novo, devagar, devagar, não tem pressa para nada." Ele olhava calmo para mim com um sorriso no rosto, percebi que sua mão esquerda tremia um pouco, mas estava bem. Na hora me veio um pensamento, esse paciente tem a doença certa: ele está devagar, passos curtos, porém ao mesmo tempo em movimento, tremendo suas mãos, parado e em movimento ao mesmo tempo. Então filosofei, ele deve ter ouvido a vida inteira que ele era um homem muito pacato, calmo demais, devagar demais. Depois de tantos anos, ele escolheu a doença certa: "- Estou parado, mas ao mesmo tremendo, "em movimento", quem sabe assim parem de me atormentar e dizer que sou devagar, quase parado”. Então, disse ao senhor: - Se o senhor está bem, vamos manter assim o seu tratamento. Ele levantou da cadeira e saiu super feliz. Pensei se é para termos alguma doença, pelo menos que tenhamos  a doença certa... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário