As perdas
Era um moço novo, bonito, entrou no consultório e sem hesitar, um pouco desesperado, já foi falando: “- Oi Doutora, por favor, me ajude”! Perdi tudo que tinha em três semanas! Realmente era um grito de socorro! Então perguntei o que tinha acontecido e ele sucinto respondeu: - Há três semanas perdi meu pai, ele era novo, de infarto fulminante! Sou filho único doutora, éramos muito amigos, é como se tivesse perdido o meu chão... Há duas semanas, minha avó, mãe do meu pai falecido, não aguentou a morte do filho e morreu também. Fiquei muito mal, não conseguia trabalhar direito, não entenderam minha tristeza no emprego e me mandaram embora. Então, fui buscar conforto com a minha namorada, e sabe o que ela disse doutora? Que "antes o meu pai do que o dela"... Terminei o namoro, é claro! Fiquei olhando para ele, e realmente tive que concordar que sua vida tinha virado de cabeça para baixo em três semanas. Lembrei também da pessoa amada que eu havia perdido a quatro meses também de infarto fulminante. Não era meu pai, meu pai está vivo, mas doeu tanto que mal pude suportar. Uma coisa é você perder sua avó com 89 anos, como a minha, bem velhinha, o corpo quase se desintegrando, andando toda encurvada e cansada de viver, pois a alma não quer mais aquele corpo... Outra coisa é perder uma pessoa que até um minuto atrás estava ótima, sorrindo, jovem, sem quase nenhum cabelo branco, e em três segundos cair morta sem dizer uma palavra. O entendia perfeitamente! Logo em seguida, sinto que, quando se ama uma pessoa de verdade, e ela morre, a saudade dói demais, e acredito que possa mesmo matar. É por isso que quando morre um, de um casal de velhinhos, o outro logo vai atrás... É evidente, quando já se é velho, pouco se tem para viver, já se fez tudo que se tem para fazer nesta vida, então, se era um amor verdadeiro e a saudades for demais o coração não aguenta. Quando o casal é novo, e um morre, o outro tem que assumir tudo, tem a vida para tocar para frente, tem que viver mesmo que por obrigação. Agora, esse moço, vai ter que viver sem seu pai, sem seu chão, vai ter que aprender a andar de novo, de modo diferente, vai ter que aprender a andar junto com a ausência da pessoa amada e a saudades, não é fácil, leva tempo, muito tempo. A vida nos engana, de um minuto para outro e tudo pode mudar! Todos os nossos planos sejam eles profissionais, pessoais passam a não existir mais. Acabou! É como uma bexiga estourando espontaneamente. Um minuto atrás, ela estava lá toda cheia, brilhante, colorida, e de repente "bum", e em segundos ela não passa de pedaços de borrachas rasgadas pelo chão. Uma amiga minha dizia: "- Cuidado, a vida engana!". Engana mesmo! Por outro lado, ninguém fica esperando você melhorar. O luto tem que ser resolvido em um mês, dizem os psiquiatras de hoje. Antigamente, as velhinhas e os velhinhos da aldeia quando um morria, o outro andava de roupa preta pelo resto da vida. É claro, a morte, dói para o coração que ama a outra pessoa de verdade, pois como o velho ditado diz: pimenta nos olhos dos outros é refresco. Os tempos mudaram ninguém pode ficar triste, o mundo anda muito depressa, ninguém tem mais tempo para essas coisas, namorada (o) não tem mais paciência para namorado (a) triste, patrão não quer saber de empregado chorando, é necessário produzir, não perder tempo com sentimentos. É o mundo tornou-se descartável!