quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Paciente Doze



O presidiário



Estava no hospital dentro de um consultório atendendo um paciente. Era uma terça-feira, nove horas da manhã, é a paz reinava. Tudo parecia tranquilo quando repentinamente um funcionário do hospital abre sem antes bater a porta do consultório. Tinha um "ar" desesperado, estava com pressa, muita pressa, só falou: - Doutora quando o posso trazer? Ele está lá embaixo esperando... Falou de um jeito como se eu já soubesse quem era "ele". Em poucos segundos comecei a pensar: - Quem seria "ele"? Ele? Quem? Será que marquei com alguém e esqueci? Então falei: - Bom dia! Ele quem? O funcionário desesperado suando falou: - Ele o presidiário! Fiquei alguns segundos pensando, primeiro que eu não sabia que tinha um presidiário me esperando... Segundo, devia estar esperando há pelo menos uma hora, porque o hospital pede para o paciente chegar uma hora antes da consulta. O certo seria falar que ele deveria como os outros esperarem a sua vez, mas o desespero do funcionário era tanto que disse: - Pode trazê-lo já! Agora! Cadê ele, que eu já o atendo...   O moço respondeu: - Vou buscá-lo doutora, vou buscá-lo, ele está lá embaixo com todos os policiais... Deduzi que o lá embaixo deveria ser a entrada dos funcionários. Não sei. Ele estava lá, o presidiário, cheio de policiais em volta causando desconforto a toda gente. Não seria eu que iria atrasar a resolução do problema. No hospital, como médico sempre aprendemos, se há algum problema, seja ele qual for, temos que resolver imediatamente, não dá para ficar enrolando... Um dia quando atendi um presidiário no posto de saúde, escutei os outros pacientes reclamando: - Imagina, um preso, bandido, e ainda tem prioridade, passa na nossa frente! Pois é, a vida é assim! Não sou eu que vou mandar ele e cinco policiais armados, e mais os que estão na calçada dando cobertura esperar eu atender dez pacientes para depois o atender. Sinto muito, detesto armas!
Continuei atendendo os pacientes quando bateram na porta,  "ele está aqui", "ele está aqui"! Pedi que a paciente saísse da sala dizendo que eu a atendia depois para atender o presidiário. Ela  saiu rapidamente. O presidiário entrou algemado, com ele um policial com uma arma enorme, nem sei dizer que tipo de arma era aquela, mas media o tamanho equivalente ao tronco do policial, seria uma metralhadora? E outro homem sem nenhum uniforme específico trazendo toda a papelada do presidiário. Era um moço jovem, por volta dos trinta anos de idade, algemado, senti-me um pouco incomodada, mas estava ali, naquele minúsculo consultório, eu o presidiário, o agente e o policial com sua arma enorme e horrível. Quase não cabíamos todos lá. E foi assim que atendi o presidiário como qualquer outro paciente. Porque sou médica, atendo pessoas que são pacientes não  importa quem sejam atendo todos iguais! Não importa a raça, a cor, a classe socioeconômica, a idade, se cheira a perfume ou a xixi. Não faço distinção! Não importa se a consulta é particular, de convênio, do SUS... O que eu tenho a ver com isso? Nada! Só me interessa a pessoa que está na minha frente, com algum problema de saúde, e que precisa de mim, tudo mais é secundário... Eu sei que tinha que ser mais rápida, pois de repente o presidiário podia se rebelar, e seria uma confusão para todos, ou outra pessoa vir resgatá-lo e aí seria pior ainda, tiros para todo lado! Socorro!
Não foi uma situação nada agradável... Fiquei pensando no presidiário, preso naquela cela dia e noite, noite e dia e o tempo passando, passando... Deve ser triste, muito triste viver assim... Não sei o que ele fez, não olhei isso no seu histórico, só li que ele tomava gardenal... Ele tinha crises convulsivas... E fico pensando, até que ponto o cérebro dele é alterado para se transformar em uma pessoa perigosa? Será culpa dele mesmo? Ele será assim por causa da sua disfunção cerebral? Terá levado pancadas na cabeça quando era um menino de rua, por exemplo... Não sei, não posso saber, mas tudo parece ter dois lados e fica difícil julgar... Por isso que a justiça dos homens pode falhar, sim pode, e com certeza muitas vezes falha... Só podemos mesmo acreditar na justiça divina... Talvez Deus, que está presente em todos os lugares, em todos os momentos, que sabe até nossos pensamentos, Ele sim, poderá julgar, o homem fará isso superficialmente, às vezes acertando, às vezes errando...
Pedi os exames, prescrevi os remédios, remarquei a consulta e pedi em pensamento: “- Que Deus vós abençoe...” Chamei o próximo paciente...

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