Ele mora lá, encostado a parede de fora do estabelecimento onde trabalho. Não o consigo chamar de "mendigo", para mim seria um senhor especial... Como a característica da construção tem como se fosse um teto que sai da parede, junto ao chão, forma como se fosse um caixão, sem uma das partes laterais. A casa dele é essa, tem exatamente o comprimento do seu corpo para se deitar, um cumprimento um pouco maior que um caixão, a parede do lado de fora do estabelecimento e uma parte aberta que é por onde ele entra agachado e deita-se para se recolher. A porta lateral ele improvisou com papelão, cobriu o chão com alguns panos e essa é sua casa. Faça sol, chuva, tempestade, esteja a temperatura que estiver, ele está lá.
Todas às vezes que chego para trabalhar, tenho até medo de olhar para lá e não o ver, porque não consigo acreditar como uma pessoa pode resistir a tudo isso... Mas há um detalhe, ele é feliz, não reclama, não enche a cara com bebidas alcoólicas e não usa droga... Fico pensando que o anjo da guarda dele é forte, dos bons mesmo ou que Deus o ama tanto que o protege com uma capa super protetora invisível.
Às vezes, quando dá aquelas tempestades terríveis, eu fico imaginando como ele estará, e como terá ficado sua casa-caixão. E quando faz aquele frio de doer os ossos penso nele, que não vai resistir... Ele é um senhor de uns cinquenta a sessenta anos. É muito educado, cumprimenta a gente sempre com um sorriso no rosto. Fala: "- Tchau doutora! Bom final de semana!" ou " - Tchau doutora, bom descanso e boa noite"!.
Eu nunca vi ele pedir nada. Outro dia disse que tinham algumas pessoas que o ajudavam, que o levavam para contar o cabelo, davam alguma coisa para ele... Eu sempre falo "tchau", quando esqueço, ele grita bem alto no meio da praça e diz "tchau" doutora, sempre muito educado....
A única coisa que me pediu até hoje, ele deve estar morando na parede há uns quatro anos, foi amostras de vitaminas se eu tivesse porque ele estava se sentindo fraco, e infelizmente não tinha nenhuma e nunca apareceram tais amostras senão as teria dado. E uma vez, eu indo embora, pediu-me três reais para comprar um cup noodles, pois não tinha nada para comer aquele dia no jantar.
Sexta-feira passada ele estava emocionado, eu olhei para ele e vi um broche na sua camisa, um broche que era um mini terço, e falei "-Nossa que bonito!", logo ele falou: "- Acabei de ganhar de um padre que foi a Itália e se lembrou de mim e trouxe para mim!", seus olhos estavam cheios de lágrimas...
Elogiei o broche, e ele começou a falar, falar emocionado, e disse: "- Nós e o nosso Palmeiras!", não sei se o Palmeiras tinha ganho algum jogo, mas pensei "nosso". Eu não sou palmeirense!Seria o último time que eu seria... Mas fiquei quieta é falei: " - É, é, é verdade!".
Fui embora pensando, da onde ele havia tirado que eu era palmeirense... Depois de muito tempo lembrei, que num dia de chuva, frio eu indo embora, ele na sua improvisada casa, falou como sempre o seu "tchau" e mal eu o conseguia ouvir por causa da chuva torrencial, ele me perguntou se eu era palmeirense. Pensei, como vou deixar o senhor triste nessa situação e gritei: "- Sou, sou sim!". E ele todo feliz disse: "É isso aí doutora! Bom final de semana!". E foi assim que virei palmeirese por alguns minutos, só por alguns minutos...
Lilian Regina Gonçalves
23/10/2016
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