Não, não consigo dizer adeus para você Flávio Gikovate, como irei fazer isso? Seria uma boa pergunta para você no programa "No Divã do Gikovate", com certeza iria te perguntar...
Todos esses anos que convivemos juntos, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura no Conjunto Nacional, todas às terças-feiras, às 18:00 h, foi de extremo companheirismo, cumplicidade e aprendizado. É inegável dizer que ali, criou-se um grupo de pessoas que víamos sempre e apesar de não conversarmos uns com os outros sabíamos que éramos uma família, e os laços foram criados. Você já sabia quem era quem, e às vezes até dizia: "-- Não hoje você não vai perguntar, só se sobrar tempo, deixa quem nunca veio perguntar!. Quando fechava as portas do teatro, não existia mais nada, nem tempo, nem hora, nem lugar, parecíamos um só ser. Você nos cativou, como na História do Pequeno Príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), quando o principezinho cativou a raposa: " Eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E serei para ti única no mundo". E foi isso que aconteceu... Nós estávamos todos cativados, e às terças-feiras nunca mais foram as mesmas, porque você fazia parte dela, como diz novamente do livro do Pequeno Príncipe: "Vês, lá longe, o capo de trigo? Eu não como pão. O trigo pra mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelo cor de ouro. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. O trigo que é dourado fará lembrar-me ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...", assim serão as terças-feiras de todo o resto de nossas vidas, fará lembrar você e de nosso Divã onde todos eram bem vindos e não havia censura no Divã, podia-se fazer qualquer pergunta. Houve momentos de riso, ouve momentos de quase chorarmos no Divã que só nós saberemos, só quem viveu... Quantas perguntas eu fiz, e como você me ajudou, suas respostas caíam como uma luva, eram certeiras...
Não vou falar aqui o quanto você erá competente, tudo o que você fez, todos os livros que escreveu, porque tudo isso, pode-se achar no Google. Escrevo aqui o que sinto, como você analisava e com sua experiência lidava com os fatos dos seres humanos, muitas vezes até contanto suas experiência pessoas. Sei que foi criticado pelos acadêmicos, que só levam em consideração artigos publicados em revista tal e tal... Você fez diferente, você usou todo seu conhecimento e mais sua experiência não se prendendo a padrões da sociedade acadêmica. Fez bem! Fez muito bem, não precisamos sermos iguais uns aos outros, seguirmos padrões condicionados...
Porém, o câncer de pâncreas nos tirou de nós. Eu já sabia onde isso ia dar, porque na residência um preceptor da neurocirurgia, Mario Lorenzini, faleceu assim, do mesmo jeito, em cinco meses com o câncer de pâncreas. Eu não tinha esperanças, mas como você tinha tantas, achando que iria se curar, eu também achava que iria conseguir... Pensei que a força de vontade de viver pudesse vencer a morte, mas não venceu... Assim, como médica, já observei em muitos pacientes...
Eu te incentivei para você escrever um novo livro... Você o escreveu e lançou, você venceu sim o câncer de pâncreas, ele não te impediu de continuar... No dia do lançamento do livro, eu queria muito ter ido, mas há quatro anos meu trabalho tem sido exaustivo, e nunca conseguia sair a tempo de Santo André para chegar no fim da Paulista às 17:30h. Como vou sentir tristeza para sempre de não ter ido, devia ter feito o que todo mundo faz por aí: "Dá um jeito", mas nós, médicos não somos assim, primeiro o paciente, o trabalho, nós fica sempre em último lugar como aconteceu com você, quando não tinha mais sangue nas suas veias, você se sentiu fraco e contra gosto foi ao pronto socorro...
Nesses últimos dias, vi que as coisas deveriam estar pretas, mandei um twitter, e você não respondeu... E então, soube da notícia... Eu sei que você não queria morrer agora! Quando alguém perguntava se você acreditava em Deus você dizia: "- Eu não sei, e ninguém sabe, só saberemos o dia que morrermos e eu não estou nem um pingo interessado que esse dia chegue". A vida nos pregou um peça! Espero que você volte para nos contar, você está devendo essa pergunta, não se esqueça...
Obrigada amigo, por tudo que fez, você sempre quis ajudar as pessoas, tanto os ricos que podiam ir ao seu consultório, como os que podiam ir até o teatro, como os pobres e os sem tempo que tinham que ouvir o pelo rádio...
Saudades eternas...
Lilian Regina Gonçalves
15/10/2016
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