domingo, 3 de fevereiro de 2013

Dona Cera e a Menina Corajosa!





Dona Cera e a Menina Corajosa



A história que vou contar é uma história real muito interessante! Não sei se inédita, mas é trágica e cômica ao mesmo tempo!
Era uma vez uma menininha de sete anos de idade, branquinha, olhos azuis, caelos castanhos e longos, levemente gordinha e muito feliz! A tal da menina, era viva demais, tudo queria saber e observar! Ela já se sentia adulta! Apesar de passar todo o tempo livre na calçada com a molecada, andando de bicicletas e patins, pulando amarelinha, jogando bola, empinando papagaio, tomando banho de chuva, subindo em teclados, procurando ninhos de largatixa, ela adorava estudar. Sim, essa menininha era eu!
Adiandada meio ano na escola por fazer aniversário  no meio do ano, a menina estava lá, no antigo segundo ano da grade escolar. A professora era mesmo a "Dona Cera". Não sei se seu nome era Cera mesmo ou um apelido, mas era conhecida como "dona Cera" e ponto final! Diziam ser uma boa professora, mas brava, nada muito boazinha... A medida que as aulas começaram fui notando que a dona Cera era toda sorrisos para a filha da diretora da nossa escola. Lembro que a menina era aplicada, boa aluna, mas a dona Cera exagerou! Tudo era a tal da menina, seu nome era Regina. Toda atenção da professora era para a Regina, filha da diretora. Nós, os outros alunos, começamos a perceber a diferença que era notória. Parecíamos não exitir na sala de aula! Ficávamos lá vendo a professora agradando a filha da diretora, num show de desigualdade comunal! Aprendi que tudo não passava de jogos de interesse. Era melhor tratar bem e agradar a filha da professora da escola porque nunca se sabe quando vamos precisar de um favorzinho ou até mesmo uma posição melhor na escola.
Mas a tal da menininha estava indignada, não, não, isso não estava certo!  Foi quando certa hora, a badalação foi demais, olhei para o colega do lado e ele estava  percebendo a mesma coisa. E um grupinho de crianças foi se formando e começamos discutir a desigualdade que estávamos vendo todos os dias na frente dos nossos olhos!
Não sei como as coisas evoluíram mas decidimos escrever uma carta para a professora, a dona Cera, contando da nossa insatisfação, e daquela desigualdade que quando adulta eu viria a saber que o mundo está cheio disso...
Ficou combinado que eu escreveria a carta e entregaria em mãos para a professora. Todos apoiaram, seria o fim daquele jogo de interesses e quem sabe a professora se importasse com nós também, o filho do pedreiro, o filho do feirante, a filha da dona de casa, a filha da empregada doméstica etc. Fui para casa e com sete anos de idade redigi uma carta, com toda a gramática que tinha aprendido até então... Com certeza, a carta estava cheia de palavras escrita erradas e nem se fala da gramática... Eu só queria resolver essa desigualdade desnecessária e humilhante. 
Terminhada a carta, ainda tentei lê-la para minha mãe que estava no tanque lavando roupa e não deu importância nenhuma para aquilo, carta escrita por uma menininha!!! O dia amanheceu fui para a  escola com a importante carta! Chegando lá, todos perguntaram sobre a carta e eu disse: " - A carta está pronta, está aqui! É hoje, o dia é hoje! Vamos entregar a carta!".
Formamos a fila para subir para a sala de aula, meninas de um lado, meninos do outro, os mais baixos de estatura na frente, os mais altos atrás, professora na frente coordenando. As mães ficavam olhando as crianças subirem, quando a dona Cera viu a minha mãe, logo disse: "- A Lilian está fogo!". Ela havia percebido, que havia uma ovelha que não queria só pastar sem pensar...
Então, chegou a hora, todos em suas carteiras, sentados, levantei a mão e disse que precisava entregar uma carta para ela! Toda cheia de formalidades pediu para a menininha vir até a mesa dela entregar a carta. Levantei com toda coragem, todos em silêncio entreguei a carta que explicava tudo o que sentíamos sobre aquela forma de sermos tratados como se na sala só existisse uma pessoa... 
Ela pegou a carta. Eu voltei para o meu lugar. A dona Cera abriu minha carta e começou a ler em voz alta para toda a classe com todos os meus erros de português... E como haviam erros! Eu só tinha sete anos! Lembro desse dia até hoje, e até pensei na hora: "- Porque errei tanto! Eu li várias vezes essa carta! Corrigi tudo!". Tarde demais, e ela lia e lia conforme o que estava escrito! Não,eu não chorei, eu sabia que tinha feito o melhor que podia naquela época. Ninguém riu, a classe se manteve num silêncio profundo, a "coisa" era séria mesmo!
Ela se dirigiu para a classe e perguntou quem eram os outros alunos que eu me referia na carta que estavam descontentes com sua maneira de agir. Mas, ninguém, ninguém levantou a mão! Todos os meus amigos e amigas que estavam juntos na "ação" deram para trás... Eu estava sozinha... Mas não tinha medo, estava aliviada!Foi então, que ela se dirigiu até mim, e estendeu sua mão para que eu apertasse a dela e tudo ficasse em paz! Hesitei alguns minutos, não, eu não queria dar a mão para ela... Ela ficou alguns segundos com a mão esticada no ar e então, resolvi estender minha mão e apertar a mão dela! 
Eu não me lembro como decorreu o final do ano na escola, mas acho que deu resultado. Agora desse dia da carta eu lembro como se fosse hoje...   



Nenhum comentário:

Postar um comentário